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Erosão da biodiversidade

Desde 1992 as zonas urbanas mais do que dobraram e em quatro décadas a poluição por plásticos cresceu dez vezes

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Por Notas & Informações
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O recente estudo da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos, ligada à ONU, revela um quadro terrível. Cerca de 1 milhão de espécies estão ameaçadas pela deterioração acelerada dos ecossistemas, a qual não pode ser detida, muito menos revertida, com as práticas ambientais em voga. Ao longo de três anos, 145 especialistas de 50 países compilaram 15 mil fontes científicas e governamentais, produzindo 1.500 páginas a serem publicadas neste ano. O sumário da pesquisa mostra que desde 1900 a abundância das espécies nativas nos hábitats terrestres diminuiu pelo menos 20%. Nos últimos 500 anos quase 700 espécies vertebradas foram extintas. Mais de 40% das espécies anfíbias, quase 33% dos recifes de corais e mais de um terço dos mamíferos marinhos estão ameaçados.

Há cinco principais fatores de mudança, em ordem decrescente de impacto: modificações no uso da terra e do mar; exploração direta de organismos; mudanças climáticas; poluição; e invasões de espécies estranhas aos ecossistemas. Combinados, esses fatores alteraram três quartos dos ambientes terrestres. Só a atividade agropecuária consome mais de um terço da superfície terrestre e quase 75% das fontes de água doce. A degradação da terra já reduziu a produtividade de 23% da superfície global. Cerca de US$ 577 bilhões em colheitas anuais correm risco por causa da perda de polinizadores. Até 300 milhões de pessoas vivem sob a ameaça de enchentes e furacões em razão da destruição de hábitats costeiros. Desde 1992 as zonas urbanas mais do que dobraram e em quatro décadas a poluição por plásticos cresceu dez vezes. Dois terços dos ambientes marinhos foram significativamente alterados. Os detritos industriais deflagraram nos oceanos 400 “zonas mortas”, que juntas cobrem uma área maior que a Grã-Bretanha.

Essas e outras tendências corrosivas prejudicarão o progresso de 80% dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável estabelecidos pela ONU para a pobreza, fome, saúde, água, cidades, clima, oceanos e terra. “As pessoas não deveriam entrar em pânico, mas devem iniciar mudanças drásticas”, disse Josef Settele, um dos pesquisadores. “As atividades de sempre com pequenos ajustes não serão suficientes.”

O relatório fornece um elenco pormenorizado de “mudanças transformadoras” para orientar políticas públicas, como propostas de incentivos, investimentos em infraestrutura verde, mecanismos de compensação ao crescimento populacional e aos níveis desiguais de consumo, maior cooperação entre segmentos diversos, novas leis ambientais e fiscalização mais severa. É essencial apoiar os pequenos proprietários de terra e sobretudo as comunidades nativas, cujas terras têm melhores índices de preservação. “Já não basta focar somente em políticas ambientais,” disse Sandra M. Díaz, outra pesquisadora. “Precisamos promover considerações sobre a biodiversidade nas decisões do comércio e infraestrutura, do mesmo modo como a saúde ou os direitos humanos são promovidos em cada aspecto das deliberações sociais e econômicas.”

Os próximos dois anos serão cruciais. Pela primeira vez a perda de biodiversidade entrará na agenda do G-8. No ano que vem a China abrigará uma conferência da ONU para projetar novos objetivos em relação à diversidade ambiental. Ainda assim, pelos próximos 30 anos, mesmo no cenário mais otimista, será possível no máximo desacelerar – não deter – a erosão da biodiversidade.

O Brasil precisa se preparar para fazer a sua parte. Cabe ao Ministério do Meio Ambiente produzir o seu próprio levantamento sobre as ameaças e soluções para a biodiversidade, além de esboçar, com outras instâncias, um programa de cooperação doméstico e internacional. Felizmente, não é preciso reinventar a roda. Os pesquisadores ligados à ONU compilaram um conjunto de métodos e parâmetros que fornecem a qualquer pessoa de boa vontade – física ou jurídica – os meios para agir imediatamente. Não há tempo a perder.