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Falsa inocência

Males sociais causados pela jogatina são graves e urge uma ação do poder público

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Por Notas e Informações
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Embora proibidas por lei desde 2000, algumas casas de bingo têm funcionado em São Paulo regularmente graças a decisões pontuais da Justiça. Os males sociais causados pela jogatina são graves e urge uma ação do poder público a fim de evitar que esses casos isolados se tornem corriqueiros, o que, na prática, seria uma espécie de “legalização informal” com aval do Poder Judiciário.

É um engano tomar as casas de bingo como inocente distração para senhoras e senhores aposentados. Esses locais, em muitos casos, servem apenas como fachada para acobertar o cometimento de crimes como tráfico de drogas, corrupção e lavagem de dinheiro, não raro praticados por quadrilhas bem organizadas.

A Lei 13.019/2014, o chamado Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil, permite às entidades de natureza beneficente “distribuir ou prometer distribuir prêmios, mediante sorteios, vales-brinde, concursos ou operações assemelhadas, com o intuito de arrecadar recursos adicionais destinados à sua manutenção ou custeio”. Com base neste dispositivo, algumas dessas entidades têm assinado parcerias com empresas terceirizadas para a exploração de casas de bingo. Na capital paulista há ao menos quatro delas em funcionamento com autorização judicial, nas quais são pagos prêmios de até R$ 20 mil. Em tese, todo o valor arrecadado com o jogo deve ser destinado à entidade beneficente, que há de prestar contas à Justiça.

Uma coisa é a entidade beneficente organizar eventos sociais em suas sedes, reunir a comunidade e promover sorteios e rifas informais para arrecadar fundos. Outra, bem diferente, é firmar parcerias com empresas terceiras e explorar um negócio milionário, proibido por lei, alongando, por assim dizer, a interpretação de um texto legal. Não sem razão, essas parcerias despertaram suspeitas no Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado do Ministério Público de São Paulo. O órgão, por razões óbvias, não divulgou quantas e quais organizações estão sob investigação, mas se sabe que está em apuração o acerto de parcerias com empresas de fachada e a exploração do jogo com fins lucrativos, além de outros crimes.

Antes de serem proibidos no início deste século, os bingos também operavam livremente sob um desígnio supostamente nobre: reforçar a renda dos clubes de futebol e de outras agremiações esportivas como forma de estimular a prática do esporte. Em pouco tempo, o Estado já não tinha mais qualquer controle sobre casas de bingo que operavam dentro ou à margem da lei. Não há razão para crer que agora seria diferente. “O lucro dessa atividade (a exploração do bingo), que deveria ter um caráter social inerente, acabava indo para o cofre daquele que não tem o direito de explorar o jogo de azar”, disse ao Estado Alamiro Velludo Salvador, professor de Direito Penal da Universidade de São Paulo (USP).

Os cidadãos abonados que querem jogar têm várias opções de jogo legalizado em países vizinhos ao Brasil. Que apostem fora o seu dinheiro e não alimentem um negócio que em nada irá contribuir para o desenvolvimento social e econômico do País. Igualmente, as entidades beneficentes têm meios de aumentar as receitas para custear suas nobres atividades recorrendo a fontes mais dignas.

Os jogos de azar não foram proibidos no Brasil por mera questão de ordem moral, ainda que contribuam para o processo de degradação pessoal e familiar. A exploração legal da jogatina, seja ela qual for, não tornará o País mais rico, justo e acolhedor para os turistas, como apregoam alguns de seus defensores.

No ano passado, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado rejeitou um projeto de liberação de jogos de azar no País, de autoria do senador Ciro Nogueira (PP-PI). De tempos em tempos, o Congresso se vê às voltas com propostas nesse sentido. É bom para o País que todas elas sejam rejeitadas na origem.

E seria igualmente benéfico se a Justiça paulista cessasse de dar guarida à nebulosa exploração de casas de bingo.