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Famílias em crise no radar da CNI

Pesquisa detalha redução de consumo, endividamento e inadimplência de consumidores; mesmo com a melhora de alguns indicadores, o quadro geral permanece muito difícil

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Por Notas & Informações
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Cortar gastos, baixar o padrão de vida, pechinchar, endividar-se e atrasar pagamentos têm sido soluções encontradas por milhões de famílias para sobreviver, mesmo com algum aumento do emprego e outros sinais de reativação econômica. A gravidade do quadro acaba de ser evidenciada, mais uma vez, por uma detalhada pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Pesquisas sobre endividamento e inadimplência são publicadas, habitualmente, por entidades de representação do comércio ou especializadas em informações de mercado. Nesse campo, a CNI raramente vai além das sondagens sobre a confiança do consumidor. O empenho da entidade em examinar o assunto mais de perto é mais um importante sinal de alerta, apesar de um toque de otimismo introduzido pelo presidente da entidade, Robson Braga de Andrade. Depois de citar indícios de retomada, ele falou de uma “perspectiva de superação, ainda que gradual”, das atuais dificuldades.

Essa perspectiva parece influenciar muito limitadamente, por enquanto, a maioria dos consumidores. Só 14%, segundo a pesquisa, pretendem aumentar os gastos até o fim do ano, embora 61% das pessoas com o consumo já reduzido demonstrem otimismo, qualificando as atuais dificuldades como temporárias. A cautela, no entanto, é muito compreensível, depois das duras experiências dos últimos meses.

Quase dois terços – 64% – dos consumidores cortaram gastos desde o início do ano, 68% pechincharam, 34% atrasaram contas de luz ou água, 19% deixaram de pagar plano de saúde e 16% venderam algum bem para liquidar dívidas.

Um em cada quatro reclama de falta de dinheiro para pagar todas as contas mensais e apenas 29% se declaram capazes de guardar algum dinheiro. Um em cada cinco recorreu a algum empréstimo ou assumiu algum outro tipo de dívida nos últimos 12 meses. Pesquisas de outras entidades, como a Confederação Nacional do Comércio (CNC) e a Serasa, têm mostrado o endividamento crescente e a inadimplência em níveis dificilmente atingidos em outros anos. Segundo a CNC, em julho 78% das famílias estavam endividadas e 29% tinham compromissos em atraso. Um ano antes esses números eram 71,4% e 25,6%.O porcentual de famílias com dívidas em atraso foi o maior da série iniciada em 2010.

As causas do endividamento crescente e do agravamento da inadimplência são conhecidas de empresários e de analistas. As más condições de emprego, a inflação acelerada e os juros altos – agravados pelas condições internacionais – têm pressionado as famílias. Mesmo com a melhora de alguns indicadores, o quadro geral permanece muito difícil para os brasileiros. O desemprego pode ter recuado para perto de 9% da população ativa, mas esse porcentual ainda é elevado e, além disso, há muita informalidade e a população subutilizada é muito grande – superior a 20%.

Ainda que haja alguma retomada neste semestre, as condições do emprego continuarão precárias e parte da melhora será apenas sazonal. Além disso, a recuperação da atividade será modesta, segundo as estimativas correntes. Apesar do otimismo exibido por alguns empresários, poucos apostam em crescimento econômico superior a 2% neste ano. Pela mediana das projeções do mercado, o Produto Interno Bruto (PIB) aumentará 1,98% em 2022 – resultado inferior aos de outros emergentes e de vários países avançados. Além disso, as estimativas para 2023 têm diminuído e a mediana agora aponta um avanço de 0,40%, com inflação de 5,36% e taxa básica de juros ainda em 11%. São péssimos prenúncios para o próximo governo e também, é claro, para a maioria das famílias. Essas projeções aparecem na pesquisa semanal Focus, do Banco Central.

Alguma melhora pode logo evaporar-se. Bondades eleitorais, como o aumento do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600, estão previstas para acabar em dezembro. Podem ser prorrogadas, mas falta saber como continuar financiando esses benefícios com dinheiro público. Os dirigentes da CNI têm razões consideráveis para se preocupar com as condições, atuais e previsíveis, dos consumidores e também do Tesouro.