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Fantasias e planos

Candidatos a cargos eletivos devem apresentar planos factíveis aos eleitores.

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Por Notas & Informações
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Um candidato a cargo eletivo deve ter a capacidade de projetar no imaginário dos eleitores um mundo melhor do que o conhecido por eles, evidentemente. Porém, mais do que sonhos, os candidatos sérios apresentam planos factíveis ao escrutínio público. Os que agem assim demonstram ser responsáveis, conciliando o apelo emocional das propostas à sua viabilidade, o que é muito importante em uma campanha eleitoral. Por mais que a utopia perca o seu charme quando encontra as limitações da realidade, é sempre melhor ser claro e honesto com a sociedade.

Há candidatos à Prefeitura e à Câmara Municipal de São Paulo que parecem desconhecer os limites de atuação dos cargos que almejam ocupar, prometendo aos paulistanos medidas que simplesmente não podem ser executadas em âmbito municipal – como legislar sobre matéria penal, como fazem alguns candidatos à vereança – ou são inviáveis do ponto de vista financeiro.

A pandemia de covid-19 lançou luz sobre a necessidade de amparo socioeconômico aos cidadãos mais vulneráveis. Propostas nesse sentido, claro, não escaparam ao debate municipal e estão presentes nos programas de governo de todos os candidatos à Prefeitura da capital paulista. Entretanto, muitas dessas propostas extrapolam a esfera de atuação de um prefeito. Outras, embora não sejam ilegais, são de tal ordem complexas que para serem realizadas exigiriam uma engenharia técnica e financeira que acabaria por transferir recursos da Prefeitura para áreas que não fazem parte de seu mister – a saúde, a educação, a zeladoria urbana e o transporte.

Há quem fale na criação de um banco municipal exclusivo para atender mulheres da periferia de São Paulo, na concessão de uma linha de crédito para pequenos comerciantes de até R$ 3 mil sem juros e sem necessidade de fiança e na redução de impostos. São propostas com evidente apelo eleitoral, sobretudo em um ano em que todos os cidadãos foram afetados pela pandemia em algum grau.

Diz-se que “ninguém mora na União, as pessoas vivem nos municípios”. É verdade. A prefeitura tem um papel importantíssimo na vida diária da população. Políticas públicas adotadas na esfera municipal têm impacto direto na vida dos cidadãos. Tanto é assim que, a despeito da deliberada distorção feita pelo presidente Jair Bolsonaro, o Supremo Tribunal Federal (STF) já reconheceu este fato ao reafirmar a competência concorrente da União, dos Estados e municípios para a adoção de medidas de combate ao novo coronavírus. Mas a prefeitura será muito mais útil na mitigação dos efeitos da pandemia caso se concentre em aprimorar a qualidade da prestação dos serviços que já são de sua competência.

“Criar um aparato público municipal ligado a crédito não é comum. Isso exige gestão de ativos de um banco, eventuais aportes do Tesouro. Não que não possa ser feito, mas não sei se os municípios têm bala na agulha para investimentos desse tipo”, disse ao Estado o analista Fábio Klein, da Tendências Consultoria.

Segundo Marcos Mendes, pesquisador do Insper, medidas como a concessão de uma linha de crédito poderiam ser viabilizadas a partir de um “fundo de aval” aprovado pelo Poder Legislativo municipal. Mendes também destaca que não é preciso abrir um banco municipal para oferecer microcrédito, é possível fazê-lo por meio de convênio com instituições já estabelecidas. “Sairia muito mais barato. Um banco exige capital, regulação, governança. Tudo isso consumirá tempo, dinheiro e talentos”, disse o economista.

A Prefeitura de São Paulo não pode se dar ao luxo de desperdiçar recursos humanos e financeiros.

Os programas de governo estão sob escrutínio público e um deles há de sair vitorioso das urnas. É muito importante que os eleitores de São Paulo os avaliem criteriosamente, identificando o que são planos factíveis e o que não passa de uma fantasia. Serão anos muito difíceis até que o País esteja plenamente recuperado das agruras de 2020. Não convém aprofundar a crise.