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Férias de dois meses

Benefício que garantiu a seus membros a Justiça restringe para outras carreiras jurídicas

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Por Notas & Informações
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Num intervalo de poucos meses, o Supremo Tribunal Federal (STF) tomou duas decisões que chamam a atenção. Por um lado, a mais alta Corte do País assegurou que a reforma administrativa recém-proposta pelo Executivo ao Congresso não colocará em risco um dos mais conhecidos penduricalhos da magistratura – o direito a 60 dias de férias por ano. Por outro lado, ela ratificou um corte pela metade no período de férias dos procuradores da Fazenda Nacional, que até agora gozavam da mesma prerrogativa da magistratura.

A decisão causou perplexidade e indignação entre as corporações jurídicas do Estado, que classificaram como contraditória a ação do Supremo nessa matéria. Há décadas procuradores da Fazenda, promotores de Justiça e advogados e defensores públicos – categorias que sempre estiveram entre as mais bem remuneradas da administração pública – defendem com unhas e dentes o princípio da isonomia funcional, especialmente em matéria de equiparação de vencimentos e benefícios. Segundo eles, embora essas carreiras estejam distribuídas entre os Três Poderes, que gozam de autonomia administrativa e têm diferentes planos de carreira, a Constituição consagraria o que chamam de “simetria funcional”. 

No final do ano passado, por exemplo, quando a equipe econômica acenou com a possibilidade de pôr fim a férias de 60 dias em todos os setores da administração pública, restringindo-as a 30 dias, o procurador-geral da República, Augusto Aras, foi um dos que mais se opuseram. Na época, ele distribuiu nota oficial alegando que a carga de trabalho dos membros do Ministério Público é “desumana” e afirmando que, se eles tivessem as férias de 60 dias suprimidas, o mesmo tratamento deveria ser aplicado a todas as demais categorias jurídicas do Estado, inclusive a magistratura. 

Ao ratificar o corte pela metade do período de férias dos procuradores da Fazenda, contudo, os ministros da mais alta Corte do País ignoraram argumentos como os de Aras e dos líderes sindicais das demais corporações jurídicas estatais. Pela ordem constitucional em vigor, “não há direito adquirido contra regime jurídico” do funcionalismo, disseram eles. 

O caso dos procuradores da Fazenda Nacional é antigo. Há anos a corporação questiona a constitucionalidade de uma lei ordinária aprovada em 1997, que acabou com a concessão de férias de 60 dias tanto para a categoria quanto para os advogados da União. Em 2005, ao julgar feito impetrado pelos procuradores da Fazenda, o Superior Tribunal de Justiça, a última instância da Justiça Federal, alegou que é pacífico, na doutrina e na jurisprudência, o entendimento de que não há direito adquirido dos servidores públicos em matéria como férias. Os advogados da União também recorreram contra essa lei, mas sua ação ainda não foi julgada. Contudo, depois que o Supremo declarou a constitucionalidade da lei de 1997 no caso dos procuradores, dificilmente o STF mudará de entendimento.  Derrotados no âmbito judicial, os membros das demais carreiras jurídicas do Estado, que sempre tiveram enorme poder de pressão no Congresso, ainda podem tentar reverter a situação no plano político, pressionando os congressistas a rejeitar os artigos da reforma administrativa que limitam as férias de todos os servidores públicos a 30 dias, com exceção de juízes e membros do Ministério Público. Se terão sucesso, é outro caso.

Essa discussão, que envolve um privilégio incabível, pois os trabalhadores da iniciativa privada só têm direito a 30 dias de férias, dá a dimensão de como é complexo e cheio de contradições o processo de modernização da ultrapassada administração pública brasileira. Os magistrados do STF, que são encarregados de aplicar a Constituição e promover o controle constitucional das leis, agiram certo quando rejeitaram a pretensão dos procuradores da Fazenda. Mas erraram feio quando deixaram de estender para seus colegas de toga e para os membros do Ministério Público a mesma e correta decisão que tomaram com relação aos procuradores da Fazenda.