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‘Greenwashing’, ou o mau capitalismo

A adoção de valores e práticas de ESG, reflexo das crescentes preocupações ambientais, não pode ser compromisso vazio

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Por Notas & Informações
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A crescente preocupação ambiental, impulsionada por evidências cada vez mais robustas sobre o risco de colapso do planeta se nada for feito, vem mudando o comportamento de consumidores, investidores, empresários e governos mundo afora. Com razão, a agenda da sustentabilidade avança, à medida que mais pessoas tomam consciência de que a proteção do meio ambiente envolve tanto os seus próprios hábitos de consumo quanto a atuação de agentes econômicos ao longo de todas as etapas de produção. 

Em maior ou menor grau, a humanidade vem encarando o desafio de conciliar desenvolvimento econômico e proteção ambiental. O que passa por decisões de ordem macro, como rever a matriz energética, e outras de caráter individual, que exigem mudanças de comportamento.

Diante de consumidores e investidores cada vez mais atentos à sustentabilidade, empresas abraçaram o conceito de ESG, sigla em inglês para “environmental, social and governance” (ambiental, social e governança, em tradução livre). A ideia é que o mundo corporativo assuma responsabilidades bem maiores em relação às questões ambientais, sociais e de governança. O que pode incluir, por exemplo, decisões como não comprar insumos de quem desmata, adotar práticas de compliance ou promover a inclusão social, de maneira que o perfil dos colaboradores reflita a diversidade da sociedade.

O pano de fundo, claro, é a sustentabilidade, começando pela do planeta, mas não só. O que está em jogo parece ser também o futuro dos próprios empreendimentos. A longo prazo, empresas que se guiam por ESG podem ser mais resilientes – além de atraírem a simpatia de clientes preocupados com a preservação ambiental, o que resultará em maior volume de negócios. 

Nesse cenário, infelizmente, não falta quem tente tirar vantagem da conscientização ambiental, travestindo-se de adepto de ESG, sem, na verdade, seguir a cartilha. O fenômeno se espalhou de tal maneira que ganhou até um termo próprio, também em inglês: greenwashing. A tradução literal seria “lavagem verde”, mas “maquiagem verde” soa melhor. O que, em bom português, quer dizer propaganda enganosa.

É isso que ocorre quando uma empresa dá a entender que faz mais pelo meio ambiente do que a verdade dos fatos permitiria afirmar. Sem dúvida, há diferentes formas de greenwashing: desde apregoar virtudes ambientais a um produto sem que necessariamente existam evidências disso até deliberadamente falsear dados para enganar o consumidor. Outra possibilidade é desenvolver um produto ou investir em uma ação ambientalmente responsável para encobrir ações devastadoras e sem compromisso ambiental por parte do mesmo grupo. O mesmo vale para fundos de investimentos que se apresentam com selos ESG ou similares − a fim de atrair a atenção de quem se preocupa com a agenda verde −, mas injetam recursos em projetos poluentes.

A economista e gestora de patrimônio Fernanda Camargo resumiu o problema em recente artigo no E-Investidor do Estadão. O título do texto diz tudo: A agenda ESG e o G de Ganância. A economista se referia a uma reportagem do jornal Financial Times sobre a recusa de investidores a apoiar maiores restrições ao financiamento de combustíveis fósseis em alguns dos principais bancos dos EUA. “O mundo está cheio de boas intenções e investidores gananciosos”, resumiu ela.

O presidente do Conselho de Administração do Santander, Sérgio Rial, bateu na mesma tecla. Conforme o jornal Valor, ele chamou de “hipocrisia ética” o comportamento de investidores que defendem a agenda ambiental, mas não estão dispostos a abrir mão de uma ínfima parcela da taxa de retorno, na hora de canalizar dinheiro para os chamados investimentos verdes no mercado de capitais. “O investidor não está preparado para receber menos por bônus verde”, disse Rial no Congresso Mercado Global de Carbono – Descarbonização & Investimentos Verdes, no Rio de Janeiro.

A busca pelo lucro é a essência do capitalismo e da livre-iniciativa, e os únicos limites para isso são os de caráter ético e legal. Assim, não há nada de errado quando empresas adotam medidas ambientalmente responsáveis sem abrir mão do lucro; o problema é quando empresas simulam preocupação ambiental apenas para lucrar.