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Há salvação para o Haiti?

Ajuda internacional é bem-vinda, principalmente por razões humanitárias, mas não basta, como se viu, para que um país se transforme

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Por Notas & Informações
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A Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (Minustah, na sigla em francês) - autorizada a funcionar no final de abril de 2004 pelo Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) - foi encerrada oficialmente mais de 13 anos depois e serviu para garantir relativa estabilidade no país mais miserável - quase metade de sua população passa fome - e politicamente instável das Américas.

As tropas da força de paz, sob comando militar do Brasil do início ao fim da operação, em 15 de outubro de 2017, deixaram um Haiti apenas um pouco menos caótico do que estava. Ciente de que a Minustah não bastava para melhorar as condições de vida no país caribenho, o Conselho de Segurança da ONU determinou que uma nova missão a substituísse, a Missão das Nações Unidas de Apoio à Justiça no Haiti (Minujusth).

Os propósitos desta nova missão, que deveria durar apenas seis meses - 16 de outubro de 2017 a 15 de abril de 2018 -, eram “ajudar no fortalecimento da Polícia Nacional e participar de atividades de monitoramento, análise e relatoria da situação dos direitos humanos” na ilha. Pouco se pode dizer da qualidade dos relatórios produzidos pelos cerca de 1.300 funcionários da ONU mobilizados para a Minujusth, muitos ainda lá, mas é certo afirmar que o trabalho de preparação de forças policiais locais para dar conta da segurança de seu próprio país fracassou.

No início deste mês, o Haiti voltou ao caos que levou o Conselho de Segurança da ONU a autorizar a missão de paz quase 15 anos atrás. Fala-se em nove mortos durante os confrontos entre a população e membros de grupos paramilitares, mas o número pode ser maior, pois a imprensa não tem acesso livre a informações oficiais.

Os milhares de manifestantes que tomaram as ruas de Porto Príncipe pedem a renúncia do presidente Jovenel Moise e do premiê Jean-Henry Céant, tidos como responsáveis pela crise econômica que mantém o país em miséria crônica, além de serem suspeitos de ligação com um bilionário desvio de recursos do acordo PetroCaribe, por meio do qual a Venezuela vende petróleo para os países caribenhos a preços subsidiados.

Em pronunciamento na TV, Céant anunciou medidas para tentar “aliviar a crise” e conter o ímpeto das manifestações, entre elas o corte de 30% das despesas do governo, negociação do aumento do salário mínimo com empresários e o fortalecimento da equipe que investiga o caso PetroCaribe. “Eu e os membros do governo ouvimos a voz (da oposição), ouvimos este brado, entendemos sua raiva e indignação”, disse Céant, pedindo diálogo entre as várias forças políticas, sociais e empresariais do país.

O Haiti só deixará de ser o país miserável e violento que é se, de fato, houver esse diálogo entre forças genuinamente preocupadas em estabelecer as condições mínimas para que o país possa superar suas mazelas. Ajuda internacional é bem-vinda, principalmente por razões humanitárias, mas não basta, como se viu, para que um país se transforme. São seus cidadãos, seus líderes e suas instituições que devem empreender essa mudança.

Militarmente, a Minustah foi uma operação muito bem-sucedida. Para a população do Haiti, garantiu segurança ao interromper uma carnificina entre quadrilhas rivais de traficantes de drogas, saqueadores e toda a sorte de abutres que se aproveitam da miséria de um povo. Para o Brasil, serviu como laboratório de testes em condições reais para uma série de equipamentos e táticas que foram empregados em várias ações das Forças Armadas no País alguns anos depois. E têm sido frequentes as convocações de militares para atuação em ações de segurança pública nos Estados.

Não se pode dizer o mesmo em relação ao progresso social e político do Haiti concluídas a Minustah e a Minujusth. O último comandante brasileiro no país, o general Ajax Porto Pinheiro, afirmou que “só um novo Plano Marshall” resolveria os problemas do Haiti. Não há Plano Marshall que dê jeito em um país se suas lideranças não forem capazes de mobilizar a sociedade em torno de um projeto de reconstrução. Ou não quiserem que isso aconteça.