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Hora de prestar contas

Eduardo Pazuello é um desastre, mas ele tem um chefe que nele manda e ao qual obedece.

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Por Notas & Informações
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A trágica gestão do general intendente Eduardo Pazuello à frente do Ministério da Saúde não poderia passar incólume pelo crivo de instituições republicanas dignas da designação, como a Procuradoria-Geral da República (PGR) e o Tribunal de Contas da União (TCU). Caso abrissem mão de suas prerrogativas constitucionais, ambas se apequenariam pela omissão diante da atuação periclitante de um ministro da Saúde que, além de não entender da área sob sua responsabilidade, como o próprio já admitiu, age de forma livre e consciente contra o bem-estar e a saúde da população. Mas, para o bem do País, tanto a PGR como o TCU agiram.

No caso da PGR, talvez a contragosto, mas isto já não importa. Se fez o que fez para proteger o presidente Bolsonaro de suas responsabilidades, tal recurso não será eficaz por muito tempo. Fato é que o procurador-geral da República, Augusto Aras, viu-se compelido a tomar uma atitude contra um membro do primeiro escalão do governo federal, algo raro, tal é o descalabro da assim chamada “gestão” do intendente na pasta da Saúde. Aras pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF), e o ministro Ricardo Lewandowski autorizou, a abertura de inquérito para apurar se houve omissão de Pazuello na crise que matou dezenas de pacientes de covid-19 por falta de oxigênio nos hospitais de Manaus (AM). O próximo passo é a intimação do ministro da Saúde para prestar depoimento na Polícia Federal (PF). É de um possível crime que se está falando.

Em seu arrazoado, Augusto Aras apontou para a “possível intempestividade” nas ações do ministro da Saúde a fim de evitar a morte por asfixia dos pacientes de covid-19 na capital amazonense, para onde o ministro se transferiu – sem data para voltar – desde que passou a ser investigado. No dia 8 de janeiro, o Ministério da Saúde admitiu ao STF que não havia cilindros de oxigênio suficientes para atender todos os doentes de Manaus. E nada foi feito, ao que parece. Dias depois, com o sistema de saúde manauara em colapso e cidadãos morrendo afogados no seco, a pasta começou a coordenar o envio de cilindros de oxigênio à cidade. Para 51 pessoas, a ajuda veio tarde.

As agruras do intendente não se limitam à esfera criminal. O ministro Benjamin Zymler, do TCU, determinou que o Ministério da Saúde preste informações à Corte de Contas sobre o uso de vultosos recursos públicos na compra, fabricação e distribuição de cloroquina e de hidroxicloroquina para “tratar” pacientes diagnosticados com covid-19. Como já foi sobejamente demonstrado por autoridades sanitárias do Brasil e do exterior, tais medicações têm a mesma ação contra o novo coronavírus que uma xícara de chá de boldo. Ou seja, nenhuma.

Desde o início da pandemia, os relatórios de acompanhamento da gestão federal da crise sanitária elaborados pelo TCU são o retrato mais bem acabado da inépcia do presidente Jair Bolsonaro e de seus auxiliares diretos. Desta vez, a área técnica da Corte de Contas apontou uma série de ilegalidades no uso de recursos públicos para promoção de medicamentos sem eficácia contra a covid-19.

Mesmo sem qualquer validação científica, recentemente o intendente Pazuello promoveu um festim da cloroquina em Manaus, não só ele mesmo se convertendo em garoto-propaganda, como despachando para a capital amazonense um grupo de médicos com esta finalidade, ao custo de R$ 4,2 mil cada um deles. O Ministério da Saúde também empregou dinheiro público para desenvolver um aplicativo – o “TrateCov” – que receitava cloroquina até para bebês com febre.

A conduta absolutamente irresponsável e repreensível do ministro da Saúde no curso da maior emergência sanitária que já se abateu sobre o País na história recente passa a ser objeto de escrutínio das instituições de controle. 

Não se pode perder de vista em nenhum momento que o intendente Pazuello é um desastre, mas ele tem um chefe que nele manda e ao qual obedece. Ao que parece, cegamente. Jair Bolsonaro, mais cedo ou mais tarde, também haverá de ser responsabilizado por suas ações e omissões na tragédia que ajudou a construir.