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Ideia descabida

Falar em estado de sítio, mesmo que a título de mera cogitação, é uma irresponsabilidade

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Por Notas & Informações
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Na sexta-feira passada, o presidente Jair Bolsonaro descartou a possibilidade de decretar o estado de sítio ou de defesa no combate à pandemia do novo coronavírus. “Não está no nosso radar isso”, disse o presidente da República. É tranquilizador saber que o Palácio do Planalto não fez – e não faz – nenhum movimento para adotar tal medida de exceção.

Ao mesmo tempo, não deixa de ser desconcertante o modo como o presidente Jair Bolsonaro referiu-se às hipóteses previstas nos artigos 136 e 137 da Constituição, como se fossem ações corriqueiras. “Ainda não está no nosso radar isso ([ ]o estado de sítio[/ ]), não. Até porque isso, para decretar, é relativamente fácil de fazer uma medida legislativa para o Congresso”, disse o presidente Bolsonaro. O tema é sério e merece discernimento responsável.

Para evitar situações que ocorreram, por exemplo, na Primeira República, em que se verificou uma banalização do estado de sítio, no combate ao tenentismo, a Constituição de 1988 estabeleceu critérios e procedimentos claros para a decretação do estado de defesa e do estado de sítio. São medidas temporárias excepcionais para específicas situações. Não é qualquer circunstância excepcional que autoriza a adoção dessas medidas, até porque elas não são uma espécie de panaceia, aptas a dar solução a todo tipo de carência ou calamidade.

Segundo a Constituição, o objetivo do estado de defesa é “preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza” (art. 136).

Em relação ao estado de sítio, o seu uso é ainda mais restrito, para caso de “comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa” ou ainda em “declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira” (art. 137).

Tal como previsto na Constituição de 1988, o estado de sítio e o estado de defesa são destinados exclusivamente à defesa do Estado e das instituições democráticas. É, portanto, absolutamente descabido, nas atuais circunstâncias, falar de estado de defesa ou de estado de sítio. O Estado brasileiro não sofre nenhuma forma de ataque, seja interno ou externo, para que se cogite das restrições de direitos previstas nessas medidas excepcionais, tal como quebra de sigilo de correspondência e de comunicação telefônica. O que agora se faz necessário é o Estado atuar de forma técnica, diligente e coordenada para combater a expansão do novo coronavírus e atender da melhor forma possível os pacientes da covid-19.

Diante das menções feitas na sexta-feira passada ao estado de sítio, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) afirmou que “o recurso a tal medida extrema no contexto atual se mostra flagrantemente inconstitucional e descabido. (...) Não há dúvida de que a situação atual produz sensações de pânico e de temor na população. Esses sentimentos não podem, no entanto, ser explorados para autorizar medidas repressivas e abusivas que fragilizam direitos e garantias constitucionais”.

Em seu parecer, a OAB manifesta-se pela “inconstitucionalidade de qualquer tentativa de decretação de estado de sítio em face da atual emergência do novo coronavírus, que só serviria como instrumento de fragilização de direitos e de garantias constitucionais, sem qualquer utilidade e efetividade para fazer frente às reais demandas e desafios que a situação impõe ao País”.

No momento, falar em estado de sítio, mesmo que a título de mera cogitação, é uma irresponsabilidade. O cuidado com o País exige que se não fabriquem novas instabilidades institucionais. Além disso, seria uma perversa provocação com a população pedir que ela fique em casa e, ao mesmo tempo, atiçar-lhe o receio de medidas autoritárias.

Fez bem o presidente Jair Bolsonaro em rejeitar prontamente a possibilidade de estado de sítio. Que assim se mantenha. Brincar, ainda que seja apenas na imaginação, com esse tipo de medida excepcional revelaria irresponsável desleixo em relação ao País. Há limites.