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Inflação, nova luz amarela

Analistas do mercado destacam alta de preços em reunião virtual com diretores do BC.

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Por Notas & Informações
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Mais uma luz amarela, risco de inflação em alta, chama a atenção dos analistas do mercado financeiro. O assunto foi destaque em reunião virtual de técnicos do setor com diretores do Banco Central (BC), segundo participantes citados pelo Estado. Cresce, portanto, a insegurança em relação a 2021. Uma nova interrogação junta-se a três grandes preocupações – quanto à evolução da pandemia, ao manejo das contas públicas e à sustentação da retomada econômica. Até quando a autoridade monetária poderá manter em 2% os juros básicos?

Juros moderados, muito importantes para a gestão e para o controle da dívida pública, um dos pontos mais vulneráveis da economia brasileira, dependem de confiança. Mas a preciosa confiança pode sumir, facilmente, se indicadores vitais parecerem sair de controle. Diretores do BC têm repetido a advertência: os juros subirão se o Executivo descuidar de sua credibilidade. Credibilidade, nesse caso, envolve um claro compromisso com a responsabilidade fiscal.

A insegurança quanto às contas públicas pode afetar a expectativa de inflação e ao mesmo tempo elevar os chamados juros estruturais. Qualquer desses fatos pode forçar o BC a mexer na taxa básica de juros, a Selic. Haverá uma perda para o Tesouro, uma complicação a mais para qualquer política do governo e, é claro, um entrave a mais para a recuperação da economia, porque também o crédito a empresas e consumidores será afetado.

Mas a reunião entre analistas e diretores do BC evidenciou mais um temor. A inflação pode estar avançando mais do que se esperava mesmo sem uma clara ruptura, até agora, do quadro fiscal. A alta de preços acelerou-se, há alguns meses, puxada por grandes aumentos de preços da alimentação. Mas a tendência de maiores altas já tem sido observada em outros grupos de preços, como têm mostrado os últimos indicadores.

O novo quadro já afetou as estimativas do mercado, como indica a pesquisa Focus, do BC, realizada com base em consultas a instituições financeiras e consultorias. Pela mediana das projeções, chegará a 3,25%, no fim do ano, a inflação oficial, medida pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Quatro semanas antes o cálculo apontava 2,65%. No mesmo intervalo, a alta projetada para 2021 passou de 3,02% para 3,22%. Na reunião com diretores do BC, no entanto, um dos analistas citou projeções acima de 3,75%, meta fixada oficialmente para este ano.

A meta de inflação para 2021 é de 3,50%. Por enquanto, as estimativas do mercado e do BC apontam evolução de preços compatível com esse objetivo. Se as expectativas piorarem, a política de juros será afetada. Mesmo com a expectativa de inflação abaixo da meta, o mercado já projeta juros básicos de 2,75% no fim do próximo ano. Diretores do BC têm reafirmado, no entanto, a intenção de manter a taxa de 2% enquanto a inflação projetada permanecer compatível com o objetivo oficial – ou enquanto sobreviver a confiança na gestão das contas públicas.

O aumento da inflação é atribuível a vários fatores. Os preços, no caso dos alimentos, foram pressionados pelas cotações dos produtos exportados, pelas mudanças na demanda interna e pela forte valorização do dólar.

A demanda interna foi alterada pelo maior volume de compras para consumo doméstico, por causa do distanciamento social, e pelo auxílio emergencial (milhões puderam viver com menor aperto financeiro). Não houve escassez de produtos, mas o efeito da maior procura foi sensível.

O terceiro grande fator, a alta do dólar, refletiu principalmente a ação do governo. Investidores e dólares foram afastados pela política ambiental e pelas dúvidas e temores decorrentes das atitudes de um presidente negacionista, voltado para o conflito e centrado em objetivos pessoais. Também as incertezas sobre a política fiscal e a evolução da dívida pública são explicáveis por esse comportamento. A tudo isso se junta, agora, uma atenção maior à inflação, até há pouco um assunto pouco preocupante. O presidente Bolsonaro, tudo indica, segue olhando para outro lado.