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Insinuação inaceitável

Ao sugerir que o TCU poderia ‘melar’ a venda da Eletrobras a pedido de Lula, o ministro Paulo Guedes demonstra, além de desrespeito pelas instituições, desespero

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Por Notas&Informações
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Declarações desastradas e inabilidade política não são novidades na trajetória do ministro da Economia, Paulo Guedes. O antigo “posto Ipiranga”, como ficou conhecido na campanha eleitoral de 2018 − por supostamente ter as respostas e soluções para todo tipo de problema −, mostrou-se incapaz de cumprir o que prometia. Pior: nos últimos três anos, Guedes não perdeu o hábito de falar palavras ao vento, mesmo sob o risco de indesejáveis consequências para o País.

Foi assim na semana passada. Em discurso de improviso no Palácio do Planalto, o ministro da Economia insinuou que o Tribunal de Contas da União (TCU) estaria atuando politicamente contra a privatização da Eletrobras. Fez isso a pretexto de criticar o candidato presidencial Lula da Silva, que, segundo Guedes insinuou, teria telefonado para ministros do TCU a fim de pressioná-los contra a desestatização. 

Ora, por mais que tenha acertado ao criticar Lula e a equivocada visão petista contrária às privatizações, o ministro demonstrou profunda incompreensão sobre o papel das instituições e sobre o alcance de suas declarações. Sem dúvida, um grave erro. Restou evidente que a verdadeira preocupação de Guedes dizia respeito ao resultado do julgamento em que o TCU analisará a segunda etapa de privatização da Eletrobras − a sessão está marcada para esta quarta-feira.

Inepto em sua prometida agenda de desestatização, o governo Bolsonaro tem pressa e planeja realizar a venda de ações da estatal elétrica nas próximas semanas. Nesse cenário, o receio é que um pedido de vista, no julgamento do TCU, inviabilize o cronograma. Ainda mais depois que o assunto virou tema de campanha eleitoral, com lideranças petistas sinalizando a intenção de reverter a privatização, caso Lula volte ao Planalto. 

Guedes, no seu melhor estilo, esbravejou: “Em vez de fazer o seu programa, enfrentar o nosso presidente nas urnas, esse candidato fica ligando para ministro do TCU, pressionando, tentando paralisar uma pauta”, disse ele, acrescentando que a desestatização da Eletrobras foi aprovada pelo Congresso e é “solução construída com o TCU ao longo de dois anos e meio”. Em linguajar que soaria melhor, talvez, na mesa de um bar, o ministro arrematou: “Como é que pode querer melar uma desestatização?”.

O fato é que o ministro da Economia, voluntária ou involuntariamente, fez o que não devia: lançou dúvidas sobre a lisura da principal Corte de contas do País. Como se decisões do TCU, amparadas em robustas análises de seu corpo técnico, fossem proferidas ao sabor de simpatias político-partidárias ou de escusos interesses eleitorais.

O TCU é órgão consultivo do Poder Legislativo. Fiscaliza o uso de recursos do Orçamento da União, sendo responsável por investigações e decisões que se mostraram fundamentais para o combate à corrupção. Não surpreende, portanto, que as declarações de Guedes tenham provocado indignação em integrantes da Corte, como revelou o Estadão. “Isso é uma completa falta de respeito com o tribunal. Peço que a presidência avalie se não é o caso de emitir uma nota contra essa declaração que pretende pressionar a corte”, escreveu o ministro Bruno Dantas, no grupo de WhatsApp dos ministros do TCU.

Infelizmente, as falas de Guedes não são um fato isolado, mas, ao contrário, refletem o padrão do governo Bolsonaro. É notório que o mau exemplo vem de cima, isto é, de um presidente da República que se notabiliza por desrespeitar as instituições – notadamente toda e qualquer instituição que não hesite em pôr os interesses do País acima dos impulsos e devaneios autoritários do titular do Palácio do Planalto. Que o digam o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), cujos integrantes já foram alvo de reiterados ataques, sob a indevida acusação de sabotar o governo e, agora, a candidatura de Bolsonaro.

Além de desrespeito às instituições, o ataque de Guedes ao TCU revela o desespero do governo Bolsonaro de encontrar desculpas para sua incrível incapacidade de cumprir as tonitruantes promessas de privatização.