Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Isolamento é vida

Não há outra medida capaz de frear a disseminação sem controle do coronavírus

Exclusivo para assinantes
Por Notas & Informações
Atualização:
3 min de leitura

Enquanto uma vacina ou um tratamento eficaz para a covid-19 não estiverem maciçamente à disposição da população, não há outro meio capaz de preservar vidas a não ser o isolamento. Por mais difícil que seja se manter firme a ele, no momento não há outra medida que possa frear a descontrolada disseminação do novo coronavírus. Isto deve ser dito por pais a seus filhos, por professores a seus alunos, por um amigo a outro, por governantes a seus governados, em suma, por qualquer pessoa sensata que nutra genuína preocupação com seu próprio bem-estar e com o de seus semelhantes.

O novo coronavírus é um patógeno mortal, como tristemente atestam a estatística nacional e os depoimentos emocionados de familiares e amigos dos mais de 12 mil mortos no País. Ao mesmo tempo, trata-se de um vírus que sucumbe ao contato com água e sabão ou álcool em gel. Portanto, o cuidado quase obsessivo com a higiene das mãos aliado ao isolamento salva vidas. É a garantia que há hoje.

Preocupa muito que esta não seja a visão compartilhada por grande parte da população. O monitor de isolamento social do Estado, feito com base em dados fornecidos pela Inloco, empresa de tecnologia que fornece inteligência de dados por geolocalização, revela que a média de isolamento no País é de 43,4%, porcentual muito abaixo da meta de 70%, o mínimo necessário, segundo especialistas, para frear a taxa de contaminação pelo novo coronavírus e dar fôlego para que os sistemas público e privado de saúde possam preservar a capacidade de atendimento aos doentes mais graves.

De acordo com o levantamento, nenhum Estado atingiu mais que 51% de isolamento. O Amapá é o primeiro do ranking, com 50,9% de sua população isolada. São Paulo, Estado mais afetado pela doença no País, com mais de 54 mil casos e 4.300 mortes, ocupa a 13.ª posição, com taxa de isolamento de 43,03%. O dado do monitor Estado/Inloco diverge do dado oficial do governo paulista, que indica algo em torno de 47%, por uma questão de metodologia. De qualquer forma, trata-se de um porcentual muito baixo diante da extrema gravidade da pandemia. Na capital paulista, nem o rodízio de veículos mais restritivo tem se mostrado eficaz para aumentar a adesão ao isolamento pelos paulistanos. Diante disso, não será surpresa se, num futuro próximo, um bloqueio total, o chamado lockdown, se impuser como único meio de salvaguardar vidas. Esta é a prioridade que deve nortear as ações de todo governante responsável na condução de suas ações durante a pandemia: salvar o maior número de vidas possível.

Um estudo elaborado pelo Imperial College de Londres revelou que o isolamento social foi capaz de reduzir em 54% a taxa de infecção pelo novo coronavírus nas localidades em que foi adotado com mais vigor no País. Ou seja, o isolamento reduziu a quantidade de pessoas que um doente pode infectar. Não obstante, a covid-19 avança de forma descontrolada. “Sem uma mudança significativa, a tendência é que o número de casos (no Brasil) continue crescendo”, disse ao Estado o médico Ricardo Schnekenberg, coautor do estudo.

É lícito inferir que, a despeito do volume de informação circulante, um porcentual da população ainda não tenha aderido com firmeza ao isolamento por desconhecimento da eficácia da medida. Mas a esmagadora maioria das pessoas que insistem em sair às ruas quando poderiam perfeitamente ficar em casa, ao contrário dos que prestam serviços essenciais, o faz por desdenhar da gravidade da doença ou porque seu ganha-pão diário depende das ruas, dada a enorme informalidade do mercado de trabalho no Brasil.

Não se deve subestimar o efeito que o comportamento irresponsável do presidente Jair Bolsonaro tem sobre uma parcela dos que não respeitam o isolamento. O apequenamento do Ministério da Saúde em meio à pandemia é o retrato mais bem acabado do desdém do presidente pela vida, pelos fatos, pela ciência. E se o presidente da República não mostra grande preocupação com a doença, podem pensar os que burlam o isolamento, é porque talvez ela não seja, de fato, tão grave assim. Um engano que pode ser fatal.