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Isso também é corrupção

Bolsonaro repete que não há corrupção em seu governo, mas o escândalo do MEC é mais um caso, entre outros, de mau uso e de desvio de dinheiro público

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Por Notas & Informações
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Como uma espécie de contraponto às muitas e evidentes confusões, omissões e ineficiências de sua administração, Jair Bolsonaro gosta de dizer que, pelo menos, não há corrupção em seu governo. Nesta semana, voltou ao tema duas vezes, assegurando que zela pelo dinheiro público e gabando-se de que o País está “há três anos e três meses sem corrupção no governo federal”.

Parece claro que o presidente estava se referindo a escândalos como a roubalheira do petrolão e do mensalão, que marcaram os governos de Lula da Silva e Dilma Rousseff e que tanto ultrajaram os brasileiros. Mas a corrupção na administração pública não se caracteriza somente pelo assalto a estatais ou pela apropriação privada de dinheiro do contribuinte. Quando o governo permite que oportunistas interfiram na distribuição de verbas públicas para o atendimento de interesses particulares, sem qualquer transparência ou controle dos cidadãos, trata-se de degradação da administração pública – em português claro, é corrupção. 

O escândalo do gabinete paralelo no Ministério da Educação (MEC), com evidências de tráfico de influência e direcionamento de verbas por parte de pastores evangélicos que não têm nenhum cargo no governo, é apenas o exemplo mais recente desse desvirtuamento da gestão do dinheiro público.

O governo Bolsonaro escarnece da inteligência alheia quando se apresenta como exemplo de lisura com o dinheiro público. Para começar, Jair Bolsonaro assumiu a Presidência carregando consigo graves suspeitas de rachadinha envolvendo sua família e até hoje não explicou as movimentações financeiras suspeitas, os cheques de assessores nas contas de familiares ou as compras de imóveis com dinheiro vivo. Para piorar, desde então, acumulam-se evidências de que Jair Bolsonaro pode ter usado o cargo para dificultar as investigações. Em vez de maior transparência, ao longo do governo só aumentou a opacidade sobre o tema.

No ano passado, a CPI da Pandemia revelou indícios graves de corrupção, no âmbito do Ministério da Saúde, envolvendo compra de vacinas, com negociações obscuras em um shopping center, acusações de pedido de propina e inexplicáveis sobrepreços. O governo federal simplesmente negou as suspeitas, sem apresentar nenhuma explicação à população. Essa informalidade, sem procedimentos de transparência e controle, é um dos ambientes mais férteis para a corrupção.

O caso do gabinete paralelo no Ministério da Educação repete esse padrão de informalidade, com graves suspeitas de corrupção e mau uso de dinheiro público. Tem até denúncia de pedido de propina em ouro. Mudam-se os Ministérios e os nomes dos envolvidos, mas as práticas continuam as mesmas: as suspeitas de corrupção não são levadas a sério, e o ministro segue no cargo como se tudo fosse absolutamente normal. Segundo revelou o Estadão, após receber denúncia de cobrança de propina envolvendo pastores, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, teve pelo menos sete reuniões com essas lideranças religiosas. Haja crença na doutrina da infalibilidade, agora aplicada a pastores.

Nada disso deveria surpreender num governo marcado pelo escândalo do orçamento secreto, em que, sem transparência, sem controle e sem critérios técnicos, recursos do Orçamento da União foram distribuídos a parlamentares dispostos a apoiar o governo em troca de verbas para seus redutos eleitorais.

Todos esses casos são muito graves, e sabe-se lá o que mais virá à tona. Como não foram os sistemas ordinários de controle do governo que os detectaram, é provável que o País continue dependendo da imprensa para descobrir aquilo que a corte bolsonarista gostaria de manter em sigilo.

A constatação de que não se sabe o que está sendo feito do dinheiro público deveria causar tanta indignação quanto descobrir, por exemplo, que empreiteiras amigas, beneficiárias do assalto à Petrobras durante os governos lulopetistas, reformaram um sítio frequentado pelo ex-presidente Lula. Há muitos outros modos de mal gastar e de desviar recursos públicos de suas finalidades originais, como mostram esses três anos e três meses de governo Bolsonaro.