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Juros, dólar e inflação palaciana

O presidente é o sujeito oculto de pressões inflacionárias e do agravamento do risco fiscal. O Banco Central só pode alertar.

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Por Notas & Informações
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O presidente Jair Bolsonaro deve ser grato – se for capaz disso – ao Banco Central (BC) pelo esforço para evitar uma crise mais grave. Qualquer aumento de juros, neste momento, seria perigoso. Complicaria a gestão da enorme dívida pública, muito pesada para uma economia emergente. Além disso, poderia prejudicar a retomada, já insegura, da atividade econômica. Apesar da reação, ainda se estima para 2020 um Produto Interno Bruto (PIB) entre 4% e 5% menor que o do ano passado, com retração na faixa de 4% a 5%. Mais de um ano será necessário, pelos cálculos correntes, para a economia brasileira retomar o nível de produção de 2019.

Nem isso será possível, no entanto, se o crédito ficar mais caro e se a insegurança dominar os mercados. O setor público devia cerca de R$ 6,4 trilhões, ou 88,8% do PIB, no fechamento de agosto. A relação estará em torno de 100% no fim do ano e deverá crescer nos próximos três anos. Só com muito cuidado e muita responsabilidade será possível controlar essa expansão e manter a confiança na ação oficial.

Não há risco imediato de insolvência, mas essa palavra já apareceu, em linguagem muito cautelosa, em comentários sobre a dívida pública e a política fiscal. Longe de qualquer referência a esse risco, o Copom continua, no entanto, chamando a atenção para a importância da responsabilidade fiscal.

A mensagem apareceu, de novo, no informe divulgado depois da última reunião do colegiado. Os juros tenderão a subir, voltou a advertir o comitê, se houver dúvidas sobre a pauta de reformas e alterações permanentes no ajuste das contas públicas. As possíveis alterações incluem a eventual manutenção dos estímulos fiscais usados como resposta à pandemia.

O “risco fiscal elevado” – expressão sem disfarce – reforça o perigo de inflação mais alta no horizonte da política monetária, isto é, nos próximos dois anos. Apesar disso, as projeções ainda apontam alta de preços, nesse período, em ritmo compatível com as metas oficiais. Permanecem, portanto, segundo a avaliação do Copom, condições para a manutenção da taxa básica de juros, a Selic, em 2% ao ano.

Essa avaliação envolve uma aposta um tanto ousada. A nota menciona o aumento recente das pressões inflacionárias, mas o choque é qualificado como temporário. Diante de números acima dos esperados, o Copom elevou sua projeção para os meses finais de 2020, mas preservou as expectativas de inflação contida a partir daí. De toda forma, o comitê continuará monitorando a evolução das pressões e dos indicadores.

A explicação do recente choque inflacionário é o ponto mais interessante dessa passagem. O texto realça a “continuidade da alta nos preços dos alimentos e dos bens industriais, consequência da depreciação persistente do real, da elevação de preço das commodities e dos programas de transferência de renda”.

Se a ordem das palavras faz diferença, essa análise atribui mais importância à alta do dólar, como fator inflacionário, do que às condições do mercado internacional e ao nível da demanda doméstica. Faltou explicar a depreciação do real, ou, como contrapartida mais visível, a valorização da moeda americana diante da brasileira.

Eventos internacionais explicam parte da movimentação cambial, mas as causas internas são importantes e manifestam-se com frequência. As causas internas mais visíveis têm sido as tensões políticas e as incertezas sobre a evolução da política fiscal. Essas incertezas são acentuadas pelas pressões por maiores gastos.

A equipe econômica tenta resistir, mas os ministros favoráveis aos gastos contam com a tolerância presidencial. Além disso, o presidente cuida prioritariamente, há muito tempo, da reeleição e de outros objetivos pessoais. Eventuais declarações em defesa do teto de gastos são insuficientes para disfarçar as preocupações eleitorais e a desatenção à política fiscal e ao endividamento. O presidente é o sujeito oculto de pressões inflacionárias e do agravamento do risco fiscal. O BC só pode alertar. Conter o presidente ultrapassa as suas funções.