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Juros, pandemia e expectativas

Ata do Copom informa que pandemia, vacinas e política fiscal são sinalizadores importantes para a política de juros do BC

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Por Notas & Informações
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Pandemia, vacinas e política fiscal são sinalizadores importantes para a política de juros do Banco Central (BC), como informa claramente a ata da última reunião do Copom, o Comitê de Política Monetária. A ressurgência da pandemia em vários países avançados é apontada na primeira linha como um risco para a recuperação econômica no exterior. No Brasil, a evolução incerta da covid-19 aparece, alguns parágrafos adiante, como fator de insegurança quanto ao ajuste das contas públicas e ao ritmo da atividade. No médio prazo a vacinação deve favorecer uma recuperação mais forte e segura.

O Brasil do BC e o do presidente Jair Bolsonaro devem ser dois países muito diferentes. O país do presidente está vivendo – ele mesmo garante – um “finalzinho de pandemia”. Além disso, a covid-19 é uma doença pouco preocupante e quem se protege é maricas. Muito mais perigosa será a vacinação. Daí a ideia de cobrar um termo de responsabilidade assinado por quem se submeter à picada. Maior deverá ser o perigo – ele já havia adiantado essa advertência – se a vacina tiver relação com algum laboratório chinês.

Mas a diferença mais chocante aparece na ordem dos valores e das prioridades. Na avaliação do Copom, a doença é um entrave ao crescimento econômico. Seu repique tende a reverter os ganhos de mobilidade, no curto prazo, atrapalhando a recuperação. Está implícita nesse comentário a ideia da proteção da vida como objetivo prioritário. O presidente, ao contrário, sempre pôs em primeiro lugar a sustentação da atividade econômica. Se alguns milhares morrerem nesse jogo, paciência. Afinal, todos devem morrer um dia.

Também a preocupação com as contas de governo contrasta com os interesses do presidente. Ele promete, ocasionalmente, respeitar o teto de gastos e outros indicadores de responsabilidade fiscal. Faz isso, geralmente, para prestigiar seu Posto Ipiranga, o ministro da Economia, quando os conflitos no Executivo se tornam muito intensos. Mas nada faz para eliminar esses conflitos, para desestimular de fato os gastadores – ministros ou parlamentares aliados – e para deixar claro o compromisso com a gestão séria das finanças federais.

Essa omissão do presidente, combinada com sua concentração em objetivos eleitorais e familiares, tem sido frequente causa de inquietação no mercado. Foi também, por vários meses, um dos mais importantes fatores de instabilidade cambial e, portanto, de elevação de preços internos, mas nenhum comentário incluído na ata do Copom explicita esses pontos. A ata explicita, no entanto, a mudança das expectativas quanto à inflação.

O texto assinala uma reversão dessas expectativas. As projeções do mercado têm apontado inflação mais próxima da meta no horizonte considerado relevante. Para 2022 já se aponta uma inflação “em torno da meta”, fixada em 3,50%, com 1,5 ponto de tolerância para mais ou para menos.

Com o avanço no ano de 2021, lembra a ata, 2022 ganhará importância para as decisões sobre os juros. Um tanto óbvia na aparência, essa observação introduz uma advertência de peso: as condições de atuação do Copom poderão mudar. Isso pode justificar o abandono de uma cláusula adotada a partir de agosto, a forward guidance ou prescrição antecipada. Com essa cláusula, o Copom passou a indicar a manutenção dos juros enquanto as expectativas fossem de inflação abaixo da meta e o regime fiscal estivesse assegurado.

O abandono da forward guidance poderá ocorrer sem aumento de juros, mas o mercado perderá um componente de segurança para suas decisões. Mesmo sem alta dos juros básicos, as condições de financiamento do Tesouro poderão piorar, se os emprestadores se julgarem menos seguros. O comportamento do governo, especialmente do presidente, pode afetar a expectativa de inflação e também o custo da dívida oficial. O Brasil estaria bem mais seguro se o presidente Bolsonaro percebesse esses fatos e se, além disso, decidisse dar atenção a algumas funções típicas da Presidência, como proteger a saúde financeira do setor público.