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Justiça criminal e prescrição

Pesquisa mostra que ações criminais que deixaram de ser julgadas por causa da lentidão dos tribunais, entre 2010 e 2016, é mais baixa do que se imaginava

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Por Notas e Informações
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Entre as recentes iniciativas do Departamento de Pesquisa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), merece destaque a divulgação de um extenso e cuidadoso levantamento por ele encomendado sobre a prescrição e a impunidade na Justiça Criminal no País. Elaborado em meio aos debates sobre o combate à corrupção, prisão de condenados após julgamento de segunda instância e o futuro da Operação Lava Jato, o trabalho ficou a cargo do Núcleo de Políticas Públicas da USP, em parceria com a Associação Brasileira de Jurimetria, e traz duas conclusões surpreendentes.

A primeira conclusão é que a impunidade propiciada pela prescrição das ações criminais que deixaram de ser julgadas por causa da lentidão dos tribunais, entre 2010 e 2016, é mais baixa do que se imaginava. Nas varas criminais dos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo, só 3% dos processos envolvendo réus acusados de prescrição prescreveram. O índice mais elevado de prescrição foi de 10%, registrado no Tribunal de Justiça do Distrito Federal. A segunda conclusão é que a prescrição não decorre de medidas protelatórias de advogados de defesa para evitar que seus clientes sejam levados a julgamento, mas da ineficiência e da burocracia das diferentes instâncias da Justiça Criminal.

“Os inúmeros recursos com a finalidade de protelar o cumprimento da pena não aparecem na análise empírica como fator relevante para a prescrição. O que causa a sensação de impunidade percebida pela população é o funcionamento usual das instituições. Concluímos que um melhor combate à corrupção se beneficiará em larga escala de uma melhoria na prestação jurisdicional”, diz o estudo. É auspicioso que o próprio Judiciário reconheça publicamente que tem de se reorganizar em termos administrativos, para fazer de modo mais eficiente o que lhe cabe no combate à corrupção.

A pesquisa encomendada pelo CNJ avaliou dados de oito tribunais e coletou informações de mais de 4 mil processos, envolvendo crimes como corrupção ativa e passiva, tráfico de influência e lavagem de dinheiro. Também analisou a atuação da Polícia, do Ministério Público e do Judiciário e mapeou o fluxo e a duração dos inquéritos policiais e processos penais.

Na Polícia Federal, o tempo médio de investigação dos casos de corrupção foi de 1 ano e 9 meses, entre 2003 e 2018, e o índice de conclusão dos inquéritos foi de 95%, dos quais 38% com identificação de autoria. Esse tempo varia de acordo com o subtipo de crime. A investigação de um crime de corrupção ativa, por exemplo, leva 1 ano e 6 meses para ser concluída. Segundo o estudo, as investigações são mais longas no Nordeste e mais rápidas no Sul e no Sudeste, com exceção do Rio de Janeiro, onde o tempo transcorrido entre a instauração de um inquérito e sua conclusão é de 3 anos e 2 meses, em média. A pesquisa revelou que nas investigações da corporação, em 74% dos casos a vítima é o patrimônio da União, seguido pelo sistema financeiro (2,6%), pelo INSS (2,1%) e pela Receita Federal (2%).

Já nos tribunais, o tempo médio de tramitação de um processo criminal envolvendo casos de corrupção é de 6,5 anos, dos quais a maior parte é gasta na fase de coleta de provas e instrução. Alguns tribunais chegam a demorar 5 anos e meio só para concluir essa etapa. A pesquisa também examinou 3 mil decisões judiciais tomadas por Cortes de segunda instância, com o objetivo de avaliar o impacto do foro privilegiado na tramitação das ações. Os pesquisadores concluíram que a transferência de uma investigação ou de uma ação penal de um tribunal para outro, quando uma autoridade perde o foro privilegiado, é um dos fatores que mais contribuem para atrasar os julgamentos.

Nos meios acadêmicos, a pesquisa do CNJ foi bem recebida, sendo considerada um marco no debate sobre impunidade. Ela deixa claro que, apesar de o índice de prescrição ser bem menor do que imaginava, a modernização da Polícia Federal, do Ministério Público e da Justiça continua sendo prioritária.