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Lições da improbidade

Experiência recomenda aprimoramento do texto da Lei de Improbidade Administrativa, sancionada em 1992

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Por Notas & Informações
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Sancionada em 1992, a Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92) nasceu com a promessa de instaurar um novo padrão de moralidade na administração pública. Não havia no texto nenhuma passagem que pudesse ser interpretada como conivência com o ilícito. O Congresso aprovou uma lei rigorosa, que ampliava as possibilidades de punição, com o objetivo de que nenhum malfeito praticado na administração pública ficasse impune.

A aprovação da Lei 8.429/92 foi considerada um ato histórico. Superando a perene falta de vontade política para combater a corrupção, o Poder Legislativo finalmente fornecia ao País caminhos jurídicos para a realização de uma limpeza tanto na administração pública como na política. Um dos elementos mais destacados da nova lei era a possibilidade de cassar os direitos políticos de quem atuasse de forma ímproba.

Depois de quase 30 anos de vigência, vê-se que as expectativas em relação à Lei 8.429/92 não se cumpriram. E é interessante notar que elas não se cumpriram não porque a lei não foi aplicada. Ao contrário, a Lei de Improbidade Administrativa foi muito aplicada e, mesmo assim, não gerou um patamar superior de moralidade pública.

Ao tentar redigir um texto capaz de abarcar tudo o que fosse contrário à administração pública, o Congresso acabou por aprovar uma lei excessivamente vaga, sujeita a muitas interpretações. O art. 11 é exemplo dessa amplidão. “Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições”, diz o texto legal. Na prática, a Lei 8.429/92 permite que o Ministério Público considere ato de improbidade administrativa, por exemplo, qualquer decisão de um prefeito do qual discorde.

E a pena prevista para os casos enquadrados no art. 11 não é pequena: “ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos”.

Em vez de excluir da vida pública os administradores corruptos, a redação ampla da Lei de Improbidade Administrativa desestimulou muita gente honesta a atuar nos órgãos públicos. Não há como negar: a possibilidade de ser enquadrado em alguma hipótese da lei é um enorme ônus para quem se dispõe a atuar na vida pública. A passagem por um cargo público pode significar depois anos de batalhas judiciais intermináveis. “Hoje, é muito difícil um agente público, especialmente aquele eleito, passar por um mandato sem responder por algum ponto da lei”, disse o deputado Roberto de Lucena (Podemos-SP), relator de um projeto de lei sobre o tema.

Em estudo por uma comissão especial, o projeto baseia-se na proposta de uma comissão de juristas, criada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e coordenada pelo ministro Mauro Campbell, do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Além de prever possibilidade de acordo entre as partes - que hoje não é permitida -, a proposta busca trazer maior segurança jurídica, exigindo a comprovação de dolo para a configuração da improbidade administrativa. Há atualmente uma situação de criminalização da atividade político-administrativa. Em 1992, o Congresso não teve o mesmo cuidado que agora teve com a Lei do Abuso de Autoridade, ao prever dolo específico.

Além de recomendar um aprimoramento do texto, a experiência da Lei de Improbidade Administrativa traz lições importantes para outras áreas. Não se avança no combate à corrupção com legislações draconianas desequilibradas. Em vez de melhorarem o ambiente público, desequilíbrios geram mais desequilíbrios. A punição de quem atua corretamente é tão ou mais perniciosa que a impunidade de quem atua mal.