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Lições de uma aventura

Cassação do ex-governador Witzel expôs o risco de dar poder a aventureiros

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Por Notas & Informações
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O sonho de Wilson Witzel era entrar para a história como um dos grandes expoentes da chamada “nova política”, como se convencionou chamar uma espécie de movimento que, na verdade, se revelou nada mais do que uma mixórdia de candidatos que ganharam projeção eleitoral ao explorarem as insatisfações da sociedade com o exercício da chamada política tradicional. Candidatos desta cepa obtiveram significativo êxito nas eleições de 2018.

Em março daquele ano, Witzel deixou uma carreira de 17 anos na magistratura federal para se filiar ao PSC e concorrer ao governo do Rio de Janeiro. Numa ascensão meteórica, o então desconhecido ex-juiz foi eleito governador do Estado com o segundo maior PIB do País, obtendo 59,87% dos votos válidos no segundo turno contra o experiente Eduardo Paes (40,13%), hoje prefeito da capital fluminense. O Palácio Guanabara era apenas um local de passagem nos planos mais arrojados de Witzel, como ficou claro pouco tempo depois de seu triunfo eleitoral. Seu objetivo final era chegar ao Palácio do Planalto.

Mas, se numa noite de 2018 Witzel foi dormir sonhando com o governo do Estado e, depois, com a Presidência da República, na manhã de sábado passado ele acordou para uma dura realidade. De fato, havia entrado para a história, mas de uma forma bem distinta da que planejara. Wilson Witzel se tornou o primeiro governador eleito a ter seu mandato cassado definitivamente em um processo de impeachment.

Em que pese a gravíssima acusação de corrupção no curso da pandemia que, formalmente, ensejou a abertura do processo de impeachment contra o ex-governador – em grande medida embasada na delação premiada de um ex-secretário de Saúde que ainda haverá de ser devidamente escrutinada pela Justiça –, a cassação de Witzel decorre de um erro primário para alguém como ele, com pretensões políticas grandiloquentes: o desprezo pela atividade política.

Esta visão perniciosa sobre a política e os políticos em geral, que está longe de acometer apenas o ex-governador do Rio, é fruto da crença de que basta capturar corações e mentes de determinada parcela da sociedade e amplificar seus anseios como se estes fossem a representação inequívoca da vontade de todos os “justos”, dos chamados “cidadãos de bem”. Como Witzel, muitos foram eleitos em 2018 apregoando um projeto de purgação do País. O presidente Jair Bolsonaro foi o maior beneficiário desta falácia.

Os placares que selaram o destino de Wilson Witzel, que está inelegível pelos próximos cinco anos, dão a dimensão de seu isolamento político. A abertura do processo de impeachment contra o agora ex-governador foi autorizada pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) por 69 votos a zero. Na comissão especial que analisou o pedido, Witzel foi derrotado por 24 votos a zero. Já o Tribunal Misto encarregado de julgá-lo, composto por cinco deputados e cinco desembargadores do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), o condenou por 10 votos a zero. Witzel caiu sozinho, e não houve quem erguesse a voz em seu auxílio, fosse no Parlamento, fosse na sociedade mesma que o elegeu.

Para o bem do País, o triste exemplo vindo do Rio de Janeiro há de servir como profilaxia contra novas aventuras na seara da política, que, em geral, não terminam bem quando despreparados são alçados a posições de poder sobre o destino de milhões de cidadãos. Wilson Witzel atuou muito bem no papel de sacrossanto defensor da moralidade pública, vendendo aos eleitores a falsa imagem de impoluto magistrado que, uma vez investido de um cargo no Poder Executivo, remediaria a política de seus malfeitores. No poder, revelou-se um engodo.

A política deve ser exercida por gente vocacionada, por quem a veja como o principal meio de concertação dos múltiplos interesses coletivos, e não por aventureiros irresponsáveis. No ano que vem, os brasileiros voltarão às urnas e terão mais uma oportunidade de escolher bem quem deve exercer em seu nome tão nobre atividade.