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Lula tem o dever de arrefecer os ânimos

Vitória do petista está longe de representar uma solução. Trata-se de um novo desafio, a exigir vigilância e participação democrática. Oposição responsável é imprescindível

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Por Notas & Informações
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Jair Bolsonaro é o primeiro presidente da República que, tendo disputado a reeleição, não foi reconduzido ao cargo. A maioria do eleitorado rejeitou neste domingo um governo que se mostrou, desde o primeiro momento, conflituoso, desumano e assustadoramente destrutivo. Eleito em 2018 sob a bandeira do antipetismo e do combate à corrupção, Jair Bolsonaro mostrou-se incapaz não apenas de cumprir minimamente um programa de governo, mas de se portar como presidente da República em suas mais básicas exigências legais e cívicas.

Se é um imenso alívio pensar que o Brasil não terá, pelos próximos quatro anos, Jair Bolsonaro na Presidência da República, é preciso reconhecer que o resultado das eleições deste domingo está longe de desanuviar o horizonte nacional. Em primeiro lugar, o próximo governo de Luiz Inácio Lula da Silva é ainda uma imensa incógnita. A campanha eleitoral foi toda baseada em desqualificar o adversário. Mesmo os mais fiéis apoiadores petistas não sabem como será o novo governo do PT.

Em segundo lugar, a derrota de Jair Bolsonaro nas urnas não significa que o bolsonarismo acabou. Se essa campanha eleitoral serviu para algo, foi para mostrar como a mensagem de Bolsonaro continua tendo ressonância em muitos corações. Há parcela relevante da população que, por diferentes motivos, vê Jair Bolsonaro – o omisso na pandemia, o desprovido de programa de governo, o arruaceiro das eleições, o comprador de votos – como solução para o País.

A partir de janeiro de 2023, Jair Bolsonaro não estará na Presidência da República, mas o País continuará tendo de lidar com ele e seus apoiadores. Entre outros aspectos, isso traz enormes desafios para o debate público e para a composição de uma efetiva e responsável oposição ao PT, que será mais necessária do que nunca.

Depois de quatro anos de Jair Bolsonaro e de uma virulenta campanha eleitoral, o País precisa urgentemente de união e pacificação. Lula da Silva tem o dever de arrefecer os ânimos, de respeitar os vencidos e, sobretudo, de transmitir confiança a todos os brasileiros. Se há alguma dose de responsabilidade no PT, agora é a hora de mostrar ao País que os temores levantados por Jair Bolsonaro durante a campanha eleitoral – a respeito, por exemplo, de liberdade religiosa e de imprensa, de responsabilidade fiscal, de respeito aos reais interesses e valores das famílias, de proximidade com regimes autoritários – eram mentirosos.

A tarefa de pacificação nacional não começa no dia 1.º de janeiro de 2023. Começou domingo à noite. Esse dever inclui palavras respeitosas e serenas, mas envolve, sobretudo, ações. Muito da tão necessária paz virá quando o País souber qual será o plano de governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Ou seja, são necessários gestos e palavras, mas, sobretudo, é essencial responsabilidade, uma efetiva responsabilidade com o País.

Depois de seu partido ter se envolvido nos maiores escândalos de corrupção da história recente nacional, Lula da Silva – este é o grande resultado do governo Bolsonaro – ganhou um novo mandato. Não há dúvida de que essa constatação desperta imediato desânimo, como se o País se mostrasse incapaz de andar para a frente, enredado nas mesmas questões e nos mesmos nomes do passado. Eis o paradoxo das eleições de 2022: para resolver os problemas nacionais, o eleitor elegeu aquele que é um dos grandes artífices da atual crise social, política, econômica e moral.

A vitória de Lula está longe de representar uma solução para o País. Trata-se, na verdade, de um novo desafio, a exigir especial vigilância e renovada participação democrática. O PT tem um histórico marcadamente antirrepublicano, com aparelhamento político-ideológico da máquina estatal, conivência – para dizer o mínimo – com práticas de corrupção e negacionismo na condução de suas políticas públicas. Nesse cenário, a oposição responsável e democrática tem um importantíssimo papel a cumprir. E não nos enganemos: o bolsonarismo é incapaz de fazer isso. É preciso urgentemente um centro democrático e responsável.