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Mais combustível, menos concorrência

Distribuidoras antecipam importação de diesel, enquanto ameaças de Bolsonaro reforçam concentração no setor

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Por Notas & Informações
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Grandes distribuidoras do País anteciparam pedidos de importação de diesel para garantir a oferta no auge da safra agrícola. Como mostrou o Estadão, a solicitação de licenças obtidas na Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) aumentou mais de dez vezes. De 28, 31 e 52 em janeiro, fevereiro e março, respectivamente, elas passaram a 305 em abril e a 433 em maio. Já o volume a ser adquirido saiu de 225,6 milhões de quilos em janeiro para 1,803 bilhão em maio.

Cada licença tem validade de 90 dias, de modo que as empresas, que atuam como ponte entre refinarias e postos, demonstram precaução. A demanda global já vinha se recuperando mais rapidamente do que se esperava no pós-pandemia. Sanções impostas em razão do conflito na Ucrânia levaram países europeus a procurar outros fornecedores para substituir o gás e o diesel que compravam da Rússia. Além disso, as férias de verão no Hemisfério Norte devem elevar o consumo de combustível, ao mesmo tempo que a temporada de furacões tende a interromper a produção no Golfo do México.

Tudo indica que as cotações do barril de petróleo, há meses acima de US$ 100, continuarão pressionadas até o fim do ano. Para o Brasil, o cenário será particularmente desafiador. O País importa cerca de 30% de todo o diesel que consome, ou seja, não pode simplesmente segurar preços artificialmente sem causar perdas às distribuidoras. Para o presidente do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), Eberaldo de Almeida, o maior tempo de espera por cargas e a queda do volume disponível para encomendas já refletem a demanda dos europeus. E, a despeito de todos os malabarismos patrocinados pelo governo Jair Bolsonaro para diminuir a tributação sobre os combustíveis, a escassez fez com que o preço médio do diesel superasse o da gasolina pela primeira vez desde 2004, segundo os dados mais recentes da ANP.

É oportuno que as distribuidoras ajam com responsabilidade para garantir a oferta de combustível na colheita e no escoamento da produção do agronegócio no segundo semestre – ainda mais quando Bolsonaro sinaliza intervenções e causa instabilidade às vésperas de uma eleição possivelmente perdida. Mas o fato é que as ameaças bolsonaristas não são apenas bravatas e têm tido consequências inegáveis. De todos os pedidos de importação de janeiro a maio, 81,5% foram realizados pela Vibra (antiga BR Distribuidora), Raizen e Ipiranga; as licenças atingiram 76,6% em termos de volume; a Petrobras foi responsável por dez pedidos e 11,9% do volume autorizado. Sem a mesma capacidade financeira para suportar prejuízos por tempo indeterminado, pequenos e médios importadores regionais têm deixado de atuar no setor. Depois de anos de recuo, a concentração de mercado voltou a se acentuar em 2021 e, com a ajuda do governo, tem sido reforçada em 2022 – na direção oposta a todas as iniciativas da ANP e do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) em prol da concorrência, único caminho efetivo para reduzir preços no médio e longo prazos.