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Mais covid e menos capital

Queda de investimento direto estrangeiro e ação frouxa anticovid distinguem o Brasil

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Por Notas & Informações
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Além da mortandade e da crise econômica, a pandemia impôs ao Brasil uma redução de 62% no investimento direto estrangeiro no ano passado, segundo o Relatório Mundial de Investimento 2021, da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad). Foi uma perda superior às médias da América do Sul, 54%, e da América Latina, 45,5%, de acordo com o documento. O valor aplicado na economia brasileira pelos investidores de fora foi o menor em duas décadas, tendo chegado a US$ 25 bilhões, segundo o informe. Os números contabilizados no Brasil pelo Banco Central (BC) são diferentes e apontam ingresso líquido de investimento direto de US$ 34,2 bilhões em 2020, mas, apesar da diferença de critérios contábeis, há convergência quanto a um ponto essencial: a queda foi muito grande. Pelos dados de Brasília, a queda em um ano chegou a 50,6%.

O Brasil também se distingue, no relatório da Unctad, pela maior incidência de casos de covid-19, em 2020, pelo número de mortes e pela adoção de “medidas suaves” de contenção da mobilidade. O contraste com o exemplo chileno aparece no parágrafo seguinte: “Em meio a medidas severas de lockdown, os fluxos de investimento direto estrangeiro para o Chile declinaram 33%, para US$ 8,4 bilhões”. A resiliência do país, em comparação com a de outros sul-americanos, “resultou da rápida recuperação dos preços dos minérios, dos gastos fiscais para sustentação econômica e da execução de uma das campanhas de vacinação mais velozes do mundo”.

Do lado positivo, a experiência brasileira se destaca, regionalmente, pelo volume das transferências fiscais à população vulnerável. Os gastos fiscais, segundo a análise da Unctad, permitiram atenuar a contração econômica. No Brasil o Produto Interno Bruto se reduziu 4,1%, enquanto na América do Sul a perda média chegou a 6,6%. Dentre as principais economias latino-americanas, a brasileira deve ser, segundo a análise, a mais rápida no retorno aos níveis pré-pandêmicos.

O investimento direto na América Latina deve permanecer “substancialmente estável” em 2021 e abaixo do aumento médio estimado para o mundo em desenvolvimento, de acordo com o relatório. Não se espera a recuperação dos níveis pré-crise, no caso dos países latino-americanos, antes de 2023. O crescimento econômico regional deve chegar a 4,3% neste ano.

Quanto ao crescimento do PIB, o Brasil deve igualar-se à média regional e talvez superá-la, neste ano, pelas estimativas do mercado. A mediana das projeções na pesquisa Focus, do BC, já bateu em 5%. Quanto ao ingresso de capitais para a atividade empresarial, as expectativas são mais moderadas. Segundo a Focus, o investimento estrangeiro direto deve atingir US$ 58,1 bilhões neste ano, US$ 67 bilhões no próximo, US$ 70 bilhões em 2023 e US$ 71,8 bilhões em 2024.

Confirmadas essas projeções, em 2023 o ingresso líquido de investimento direto será ligeiramente superior ao de 2019, quando alcançou US$ 69,2 bilhões, mas inferior aos valores de 2018, 2016, 2014, 2013, 2012, 2011 e 2010. Em todos esses anos o investimento superou US$ 74 bilhões, em 2014 chegou a US$ 87,7 bilhões e em 2011, a US$ 101,1 bilhões.

O Brasil já foi bem mais atraente para os investidores. Apesar de tropeços na política econômica e de estratégias às vezes discutíveis, a imagem de um país destinado ao crescimento prevaleceu durante a maior parte do tempo. Voltou a predominar logo depois da recessão de 2015-2016, mas o futuro de novo se embaçou, quando ficou evidente a falta de rumo, apesar das promessas de reformas e de modernização institucional.

O desinteresse do presidente em relação às tarefas de governo, a estreiteza de seus objetivos e a incapacidade da equipe econômica de esboçar metas de crescimento e de modernização refletem-se nas projeções de médio e de longo prazos. Taxas anuais de crescimento em torno de 2,5% definem os cenários além do ano corrente, como se o País estivesse condenado à lentidão mesmo quando o vigor aumenta na maior parte do mundo. Com o atual governo, está mesmo.