Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Mais PIB e mais inflação

Mais otimista que o mercado, o BC projeta crescimento econômico de 3,6% em 2021. Bem menos favoráveis são as perspectivas inflacionárias

Exclusivo para assinantes
Por Notas & Informações
2 min de leitura

Mais otimista que o mercado, o Banco Central (BC) ainda projeta crescimento econômico de 3,6% em 2021, puxado pela indústria e condicionado ao avanço da imunização e à redução de internações e de mortes pela covid-19. A nova estimativa, incluída no recém-divulgado Relatório de Inflação, é ligeiramente menor que a apresentada no fim do ano (3,8%), mas superior à dos economistas do setor financeiro e das grandes consultorias (3,22%). “Não é que estejamos superotimistas”, disse o presidente do BC, Roberto Campos Neto, ao comentar a projeção de aumento do Produto Interno Bruto (PIB). “Imaginamos que a curva de vacinação terá, no Brasil, efeito igual ao de outros países mais avançados na imunização”, explicou. O relatório apresenta, a cada três meses, um balanço das condições e das perspectivas econômicas nacionais e internacionais.

Bem menos favoráveis são as perspectivas inflacionárias. A projeção central aponta para este ano uma inflação de 5%, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Se o cálculo for confirmado, será mais uma vez ultrapassado o centro da meta, fixado em 3,75%. As previsões indicam 3,50% para o próximo ano e 3,50%, de novo, para 2023, quando a meta estará em 3,25%.

Os economistas do BC insistem na tese, mantida há alguns meses, de pressões temporárias sobre os preços, mas os fatos têm dado pouco suporte a essa ideia. Mesmo as projeções apresentadas no relatório apontam uma piora das perspectivas: os números agora estimados para os três anos são maiores que os indicados nos cálculos apresentados em dezembro (3,4% no caso de 2021).

A inflação do começo do ano surpreendeu, forçou uma revisão das estimativas e reforçou os argumentos a favor de uma reviravolta na política de juros. A taxa básica passou de 2% para 2,75% na última reunião do Copom, o Comitê de Política Monetária do BC, encerrada no dia 17. Um novo aumento de 0,75 ponto porcentual na próxima reunião, em maio, já foi anunciado como praticamente certo. A surpresa dos últimos meses foi especialmente preocupante.

Nos 12 meses até fevereiro a inflação acumulada chegou a 5,20%, quase atingindo o limite de tolerância deste ano (5,25%). As pressões excepcionais devem continuar por algum tempo e a alta acumulada em quatro trimestres poderá chegar a 7,80% no segundo trimestre de 2021. Depois deverá ceder.

Vários fatores têm elevado a inflação e justificado a revisão das projeções e dois se destacam: o aumento das cotações globais dos produtos básicos, incluído o petróleo, e a alta do dólar diante do real. Uma análise especial é dedicada ao câmbio, no relatório, com exame de fatores internacionais e das incertezas sobre as contas públicas. No trimestre final de 2020 a volatilidade cambial foi o dobro da observada um ano antes.

Os autores do relatório, de forma bem comportada, em nenhum momento discutem as causas dessas incertezas, muito comentadas, no entanto, no dia a dia do mercado. As indefinições de um governo sem orçamento até 24 de março, as pressões pela gastança e o jogo eleitoral do presidente são fatos bem conhecidos.

A esses fatores ainda se poderia somar a política antiambiental do governo, um espantalho de investidores e, portanto, um componente do enfraquecimento cambial. Desde o ano passado o real tem estado entre as duas ou três moedas mais desvalorizadas do mundo.

Tudo isso remete, embora nenhuma palavra do relatório explicite essa relação, ao presidente Jair Bolsonaro. Mesmo sem cuidar diretamente da política econômica, ele é, por seus atos e palavras, um fator de instabilidade cambial, de pressão inflacionária e de insegurança quanto às contas públicas, assim como tem sido o mais importante aliado, no Brasil, do coronavírus. Ao insistir na relevância da vacinação como fator de crescimento, os economistas do BC, assim como muitos de seus colegas do mercado e da academia, também divergem do presidente da República. Vacinação, afinal, é uma variável de importância crucial – sem surpresa – nas análises do Relatório de Inflação.