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Mais problemas com o Enem

Os problemas com os gabaritos do Enem são mais uma comprovação do modo desastroso como o governo Bolsonaro administra a área da educação

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Por Notas & Informações
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Realizado nos dias 3 e 10 de novembro de 2019, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) voltou a apresentar problemas. Desta vez, foram falhas ocorridas nos gabaritos das provas, que teriam sido trocados no momento do envelopamento na gráfica contratada pelo Ministério da Educação (MEC).

Essas falhas foram descobertas no final da semana passada, quando as notas individuais do Enem foram divulgadas e muitos estudantes as questionaram nas redes sociais. Em resposta, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, afirmou que o erro teria atingido um grupo “muito pequeno, alguma coisa como 0,1% do total de 3,9 milhões” de candidatos que prestaram as provas – o equivalente a 3,9 mil estudantes. Pouco tempo depois, a direção do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), o órgão do MEC encarregado de elaborar e aplicar o Enem, reconheceu que as falhas poderiam ter afetado um número dez vezes maior – cerca de 39 mil estudantes.

A repercussão foi a pior possível nos meios educacionais, pois o Enem é a espinha dorsal do Sistema de Seleção Unificada (Sisu), que oferece 237 mil vagas em universidades federais. As notas também são usadas no Programa Universidade para Todos (ProUni), que oferece bolsas em universidades particulares, e no Financiamento Estudantil (Fies), que financia o pagamento de mensalidades. Procurando minimizar o tamanho do problema, as autoridades afirmaram então que o número de afetados “não chegava a 9 mil” e que os erros de correção teriam sido identificados na prova de matemática e ciências da natureza, aplicada no dia 10 de novembro. Mas, enquanto o MEC montava às pressas uma força-tarefa para tentar descobrir o que de fato ocorreu, corrigindo novamente todas as provas para identificar inconsistências nos gabaritos e prometendo que nenhum candidato seria prejudicado, o Inep admitiu que somente teria uma dimensão real do problema no início da semana. Entre outros motivos, porque também foram detectados erros de correção na prova de redação, linguagens e ciências humanas, realizada no dia 3 de novembro.

A partir daí, ficou claro que, dependendo do número de estudantes afetados, a área educacional do governo terá dificuldade para garantir confiabilidade dos resultados do Enem de 2019. Além disso, o ministro Abraham Weintraub, que em novembro prometeu a realização de um Enem sem problemas e no dia de uma das provas foi surpreendido com o vazamento da foto de uma folha de redação quando ela estava sendo realizada, sairá desse episódio politicamente ainda mais enfraquecido. Além de ter perdido tempo com polêmicas desnecessárias e inoportunas, acusando as universidades de serem locais de “balbúrdia e doutrinação” e privilegiando critérios religiosos e ideológicos em detrimento de critérios técnicos em suas decisões, sua gestão já vinha sendo marcada pela inépcia administrativa.

Os problemas com os gabaritos do Enem são mais uma comprovação do modo desastroso como o governo Bolsonaro administra a área da educação. A gráfica selecionada para imprimir provas e gabaritos, por exemplo, desde o início foi criticada por não ter experiência em serviços parecidos com os exigidos pelo Enem nem logística e infraestrutura adequadas para armazenar e manusear os malotes que seriam despachados. Criado há mais de oito décadas, o Inep também viveu em 2019 um dos períodos mais problemáticos de sua história. O órgão teve três presidentes num ano e ficou com uma de suas diretorias vaga por cinco meses. Por fim, o MEC – que teve dois ministros ao longo do ano – também perdeu tempo discutindo a criação e o modo de trabalho de uma comissão encarregada de expurgar questões consideradas conflitantes com os valores políticos do presidente Jair Bolsonaro. Os problemas ocorridos com o Enem de 2019, que estão frustrando um número significativo de estudantes, não surpreenderam ninguém.