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Alguma tranquilidade em tempos difíceis

Prorrogação da desoneração da folha ajuda a preservar empregos, algo essencial neste momento, mas é preciso fazer mais para criar vagas

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Por Notas&Informações
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A decisão anunciada pelo presidente Jair Bolsonaro de prorrogar a desoneração da folha de pagamentos que terminaria no fim deste ano dá um pouco mais de tranquilidade para empresas de 17 setores que estão entre os que mais empregam no País e deve ajudá-las a preservar seu quadro de pessoal. 

É medida oportuna e tomada no devido tempo, o que raramente ocorre no atual governo. A desoneração da folha assegura melhores condições de operação para empresas que mantêm grande número de empregados e traz um alívio importante no momento em que se acumulam indicadores que mostram a piora dos resultados de diversos setores da economia, acompanhada da alta da inflação e da persistência de elevadas taxas de desocupação e de trabalho precário. A pandemia está passando, mas as dificuldades na economia continuam.

A desoneração da folha de pagamentos está em vigor desde 2011. No início, beneficiava 56 setores da economia. No governo de Michel Temer, o número foi reduzido para os atuais 17 que continuam contemplados. Entre eles estão os que usam mão de obra intensivamente, como construção civil, indústrias têxtil e de calçados, comunicações, transporte coletivo, transporte rodoviário e o setor de proteína animal.

A medida permite que as empresas substituam a contribuição previdenciária de 20% sobre os salários dos empregados por outra, calculada com alíquota de 1% a 4,5% sobre o faturamento bruto. Para as empresas com custo de pessoal alto em relação ao faturamento, a troca é benéfica, pois reduz seu recolhimento para os cofres públicos. Com essa vantagem, elas são estimuladas a manter seu quadro de pessoal. Estima-se que os setores atualmente beneficiados empreguem mais de 6 milhões de trabalhadores.

O fim da desoneração trazia o risco de demissão para parte deles, lembraram dirigentes empresariais dos setores contemplados. Além disso, sem esse benefício, os números da crise econômica e social que afetou duramente o País no ano passado talvez tivessem sido ainda piores. As empresas incluídas nos setores contemplados, pela extensão de suas folhas de pagamentos, têm papel de grande relevância na renda das famílias e, assim, no consumo doméstico.

É ilusório imaginar, porém, que a desoneração da folha seja grande estimuladora da contratação de pessoal, como o governo costuma argumentar. As empresas só aumentam de forma consistente seu quadro de pessoal quando identificam a possibilidade de expansão de seus negócios. E isso ocorre quando a economia cresce, o que não está ocorrendo de maneira consistente neste ano.

O crescimento estimado para o Produto Interno Bruto (PIB), de cerca de 5% em 2021, parece expressivo, mas se dará sobre uma base muito deprimida (o PIB de 2020) pela pandemia. Mal se conseguirá repor o que se perdeu no ano passado. Para o ano que vem, as projeções, já modestas, vêm sendo cada vez mais reduzidas nas pesquisas semanais que o Banco Central realiza com analistas do mercado financeiro.

A decisão do presidente resultou de alguma troca. Haverá custo fiscal, pois se estima que a desoneração implica redução de R$ 8,3 bilhões anuais na arrecadação federal. Por isso, segundo dirigentes empresariais, o governo condicionou a prorrogação da desoneração ao apoio à PEC dos Precatórios, já aprovada na Câmara e agora em exame pelo Senado.

Embora tenha confirmado a prorrogação da desoneração da folha, o presidente da República não deu indicação de como isso será feito. Certamente envolverá alguma negociação com o Congresso, que analisa projeto com o mesmo objetivo, mas por prazo maior. O projeto prevê a prorrogação da desoneração até 2026 e já tem parecer favorável na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. O relator da matéria na Comissão, deputado Marcelo Freitas (PSL-MG), disse ao Estado que vai ajustar para dois anos, como anunciou Bolsonaro.

Seja qual for o desfecho, contudo, é preciso deixar claro que a desoneração, apenas, não tem o condão de impulsionar a economia e, consequentemente, a criação de vagas. Isso depende em larga medida da capacidade do governo de estimular investimentos – algo que não se improvisa.