Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Mais um inquérito contra Salles

A posição de Ricardo Salles no Ministério do Meio Ambiente é insustentável

Exclusivo para assinantes
Por Notas & Informações
2 min de leitura

A permanência no cargo do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, há tempos já era insustentável em virtude de sua gestão, que pode se prestar a tudo, menos à preservação ambiental. O tal “ambientalismo de resultados” encampado pelo ministro nada mais é do que uma expressão empolada para designar o enfraquecimento dos mecanismos de combate aos crimes ambientais e contribuir de maneira decisiva para transformar o Brasil em pária internacional, quando a posição do País, há muitos anos, era a de interlocutor respeitável nos fóruns globais sobre desenvolvimento ambientalmente sustentável.

Não fosse o bastante para a substituição do ministro o fato de ele não garantir o direito dos brasileiros a um “meio ambiente ecologicamente equilibrado”, como determina a Constituição, apareceram gravíssimas suspeitas de que Salles não só enfraqueceu o combate ao desmatamento ilegal, como ele mesmo estaria envolvido na prática de crimes. Desde então sua permanência no Ministério do Meio Ambiente é uma temeridade.

Corre uma investigação da Polícia Federal (PF), autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), para apurar se Salles e o ex-presidente do Ibama Eduardo Bim alteraram normas do órgão de defesa ambiental para facilitar a exportação de madeira extraída ilegalmente para os Estados Unidos, atendendo a interesses econômicos de madeireiros com os quais o ministro teria tido contato dias antes da modificação normativa (ver editorial Caso de polícia, publicado em 21/5/2021).

Na quarta-feira passada, Salles teve um novo revés na Corte Suprema. A ministra Cármen Lúcia atendeu a um pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR) e autorizou a instauração de novo inquérito para apurar se o ministro do Meio Ambiente obstruiu uma investigação da Polícia Federal que culminou na maior apreensão de madeira ilegal da história do País. O pedido da PGR tem como base a notícia-crime apresentada ao STF contra Salles pelo delegado Alexandre Saraiva, ex-superintendente da PF no Amazonas. Saraiva, convém lembrar, foi exonerado do cargo após acusar Salles de patrocinar os interesses privados de madeireiros responsáveis pela extração ilegal.

Aos olhos da ministra Cármen Lúcia, a “gravidade incontestável das acusações” que pesam contra Ricardo Salles e os “indícios suficientes” de práticas como advocacia administrativa, obstrução de fiscalizações ambientais e embaraço de investigação de infrações penais envolvendo organização criminosa autorizam a instauração de mais um inquérito contra o ministro.

O vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, que assina o pedido de instauração de inquérito, afirmou que a notícia-crime apresentada pelo delegado Alexandre Saraiva “demanda uma investigação aprofundada”, pois o ministro Salles e servidores a ele subordinados teriam agido deliberadamente “em descompasso com as recomendações técnicas”, além de terem dirigido “cobranças” à PF sobre a apreensão recorde de madeira extraída ilegalmente.

O ministro Ricardo Salles afirmou que a investigação “será uma boa oportunidade para esclarecer todos os fatos”. É precisamente o que se espera, dada a extrema gravidade das acusações que pairam sobre ele.

Em qualquer governo minimamente sério, o normal seria o afastamento do ministro de seu cargo para que pudesse cuidar plenamente de sua defesa. Não são triviais as acusações das quais deve se defender. Mas, se normal fosse este governo, o presidente certamente haveria de ser outro. Jair Bolsonaro, aos olhos de quem Ricardo Salles é um “excepcional ministro”, não exige respeito às leis, competência técnica ou comportamento ilibado de seus subordinados. O que ele exige é fidelidade absoluta e total alinhamento à sua agenda de conflitos. E isto, não se pode negar, o ministro do Meio Ambiente tem entregado com eficiência exemplar. Salles só será substituído caso se torne fardo político demasiado pesado para Bolsonaro carregar.