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Mais uma ‘última chance’

Apesar dos avanços da COP, negociações sobre o apoio aos pobres, o preço do carbono e investimentos em inovação deixaram a desejar

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Por Notas&Informações
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As expectativas para a 26.ª Conferência Climática (COP-26) foram altas como nunca. A conclusão foi nebulosa como sempre. Não cabe menosprezar os raios de esperança, como os acordos de redução do metano e do desmatamento, o compromisso da Índia com a neutralidade de carbono ou a cooperação entre EUA e China.

Apesar da sombra de Bolsonaro, a participação do Brasil foi razoavelmente positiva. Os ministros do Meio Ambiente e das Relações Exteriores, ao contrário de seus predecessores, foram diplomáticos e propositivos. Lideranças públicas e civis apresentaram compromissos e conquistas. As metas mais relevantes – a redução de 30% das emissões de metano e o desmatamento zero até 2030 – são desafiadoras, mas factíveis: a preservação exige fiscalização, repressão e opções de crescimento sustentável a populações de zonas florestais; o Brasil já desenvolve tecnologias agrícolas aptas a reduzir o metano sem impactar a criação de gado ou seu preço.

O último ponto é importante, porque o maior desafio das políticas climáticas é maximizar a redução das emissões minimizando seu custo social. Hoje, é impossível cortar combustíveis fósseis sem encarecer a energia. As pessoas estão dispostas a pagar a descarbonização da economia com menos crescimento. Mas quanto?

Fala-se em zerar as emissões até 2050. Um estudo na revista Nature estimou que nos EUA isso custaria cerca de 12% do PIB. A Nova Zelândia calcula 16%. Quando o presidente francês propôs uma taxa marginal sobre a gasolina, foi confrontado por anos de protestos dos “coletes amarelos”. O governo do Reino Unido foi forçado a recuar de uma lei que obrigava a substituição onerosa da calefação a gás.

O impacto dos países pobres sobre o clima é menor que o dos ricos, mas o impacto da transição energética em suas economias é maior. A meta assumida há 12 anos de ajuda de US$ 100 bilhões anuais aos pobres não foi cumprida e parece defasada. Além de um debate franco sobre o ônus social das políticas ambientais, há temas correlatos insatisfatoriamente desenvolvidos na COP.

A precificação progressiva do carbono é a melhor ferramenta para pressionar a descarbonização distribuindo seus custos. Não houve acordo, mas a COP consolidou convergências.

Hoje, combater as mudanças climáticas é como combater a pandemia sem vacinas. As medidas variam entre restrições relativamente inócuas a estilos de vida – ao tirar a carne da dieta, por exemplo, uma pessoa corta no máximo 4% de suas emissões – e altamente onerosas – como “lockdowns” nos combustíveis fósseis.

O antídoto será uma energia limpa tão barata e confiável quanto a fóssil. Tenta-se ampliar a energia eólica e a solar via subsídios. Mas elas são caras, intermitentes e difíceis de transportar. A solução virá de uma nova geração de baterias. Outra opção é desenvolver energia nuclear mais barata e segura. Fora fontes distantes, mas possíveis, como fusão, fissão ou biocombustíveis. Ou tecnologias de captura de carbono.

A pedido do think tank Copenhagen Consensus, 20 economistas especialistas em clima, incluindo três Prêmios Nobel, estimaram que o mundo precisaria investir US$ 100 bilhões anuais em pesquisa e desenvolvimento de energia verde. Seria preciso sextuplicar os investimentos públicos, mas isso é menos do que os atuais US$ 150 bilhões de subsídios à energia solar e à eólica ineficientes. A promessa dos ricos na COP de 2015 de dobrar investimentos malogrou. Os investimentos privados, na ordem de US$ 6 bilhões, estão estagnados. A COP não mudou esse quadro.

O clima de frustração é agravado por uma ansiedade exorbitante que turva as discussões sobre prioridades e soluções socialmente sustentáveis. Ao contrário do que pregam os profetas do apocalipse, a COP não foi a “última chance” da humanidade e o aquecimento global não é o “fim do mundo”. É um desequilíbrio real, com impactos severos, mas manejável com doses redobradas de prudência, persistência e criatividade. A comoção das lideranças políticas, empresariais e da população global em torno à COP mostra que não falta energia para isso.