Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Menos autoritarismo, mais autoridade

A violência policial numa escola estadual ilustra a crise de autoridade

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Por Notas e Informações
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O Brasil tem taxas notoriamente aberrantes de violência que não se explicam por simples fatores econômicos. Basta comparar os índices de países em condições socioeconômicas similares às do Brasil. Na raiz do mal está uma crise de autoridade que atravessa todas as esferas da organização social, da família aos Poderes da República. Quando falta a justa medida da autoridade os seus opostos – a licenciosidade e o autoritarismo – se retroalimentam num círculo vicioso. Um incidente na Escola Estadual paulistana Emygdio de Barros ilustra com dolorosa exatidão esta degradação da autoridade.

No dia 18 a polícia foi acionada por uma diretora de escola que tentava expulsar da sala de aula dois estudantes. Os vídeos gravados por alunos mostram quatro policiais agredindo os dois adolescentes. Em dado momento, um dos policiais saca uma pistola e aponta para os estudantes, que em seguida são agredidos com socos, rasteiras e mata-leão, violenta técnica de imobilização por estrangulamento. Trata-se de uma sucessão de erros do começo ao fim.

Em primeiro lugar, a escola tem apenas dois bedéis. Pelas regras da Secretaria da Educação deveria ter pelo menos 11. São eles os primeiros responsáveis por atuar em casos assim. Pela lei, cada escola deveria contar com pelo menos um mediador de conflitos, mas somente parte da rede estadual conta com estes profissionais. Ainda assim, não se justificava chamar a polícia. A própria diretora afirmou que um dos alunos agredidos fora desligado pela manhã em razão da falta de frequência, e à noite “adentrou no estabelecimento e se recusou a sair em companhia de outro menor”. Não havia portanto violência real ou iminente que justificasse a intervenção policial.

Os policiais registraram a ocorrência como desacato, resistência, lesão corporal e ameaça. Mas os vídeos evidenciam o uso desproporcional da força por parte dos policiais. Um dos alunos é agredido com socos enquanto outro policial, por trás, lhe passa uma rasteira. Caído, ele é chutado. “Quando as imagens chegaram, verificou-se que a abordagem fugiu aos procedimentos padrões ensinados nas escolas de formação”, disse a Corregedoria da Polícia Militar (PM) em nota.

Segundo o advogado Ariel de Castro, a escola errou ao acionar a polícia. “Policiais militares devem fazer rondas nas imediações da escola. Eles não são preparados para serem confrontados em discussões e poucos deles têm preparo para mediações de conflitos. São treinados para atacar quem discute ou diverge deles.” Para Castro, a agressão de jovens já imobilizados pode configurar tortura. De resto, “num local de aglomeração de adolescentes, não é aceitável o uso de armas de fogo. Poderia gerar uma tragédia, por exemplo, se os jovens tentassem retirar a arma do policial e ele atirasse contra os alunos. A própria PM não permite a entrada de policiais armados dentro de unidades da Fundação Casa, muito mais inadequado é entrarem em escolas”.

Felizmente, as autoridades agiram rápido. Antes mesmo de uma determinação administrativa, a diretora pediu exoneração do cargo. A corporação afastou os quatro PMs e a Corregedoria iniciou um procedimento administrativo. A Polícia Civil também abriu inquérito.

O incidente revela a importância de combater a cultura do autoritarismo por meio do culto à genuína autoridade. Quando ela se impõe, a coerção física é desnecessária. É o que, aliás, sugere a raiz etimológica do latim auctoritas (“conselho, opinião, influência, comando”), derivada de auctor (“mestre, líder”). “Autoridade e poder são duas coisas diferentes” – disse o filósofo Jacques Maritain em seu livro O Homem e o Estado. “O poder é a força pela qual você pode obrigar os outros a lhe obedecer. A autoridade é o direito de dirigir e comandar, de ser ouvido ou obedecido pelos outros.” Eis uma lição a ser mais bem aprendida no Brasil. “A autoridade”, conclui o filósofo, “exige o poder. O poder sem autoridade é tirania.”