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Mercosul outra vez ignorado

Interessado só nas eleições, e não na abertura do mercado brasileiro, governo Bolsonaro estuda novas reduções de tarifas sem consultar seus parceiros sul-americanos

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Por Notas&Informações
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Com os estudos de uma nova rodada de corte de 10% no Imposto de Importação da maior parte dos produtos que o País compra do exterior sem consultar previamente os parceiros do Mercosul, o governo Bolsonaro mostra mais uma vez menosprezo pelo bloco econômico do Cone Sul e preocupação obsessiva com a eleição de outubro. O objetivo do novo corte de tarifas não é abrir mais o mercado brasileiro para fortalecer a competição e estimular a eficiência da produção local, como seria desejável. É bem mais prosaico. Mais do que em melhorar o ambiente dos negócios e da produção, o governo está interessado em reduzir o impacto dos artigos importados sobre a inflação, pois a alta generalizada dos preços afeta mais duramente o orçamento dos mais pobres e prejudica os interesses eleitorais do presidente-candidato Jair Bolsonaro. Pouco importa se algum outro país-membro do Mercosul discordar da decisão brasileira. Isso não tirará votos do candidato à reeleição.

Não se pode dizer que, com relação ao bloco econômico formado por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, o governo Bolsonaro tenha mudado de opinião. Desde a campanha eleitoral de 2018, o candidato e seu então principal porta-voz na área econômica e hoje ministro da Economia, Paulo Guedes, mostram, se não desprezo, pouco interesse no destino do Mercosul. Logo após conhecidos os resultados da eleição presidencial daquele ano, Guedes afirmou que o Mercosul não seria prioridade do novo governo, pois era “muito restritivo” e tornava o Brasil “prisioneiro de alianças ideológicas”, o que era ruim para a economia brasileira.

Quase três anos depois, em agosto do ano passado, o ministro da Economia voltou a criticar o bloco do Cone Sul de maneira mais amena. Reconheceu o papel que o bloco teve logo após sua criação, em 1991, quando teria servido como “uma espécie de trampolim” para fazer o Brasil avançar em termos de competitividade, mas observou que, hoje, “não está correspondendo às expectativas”. Pouco depois, quando o Brasil assumiu a presidência rotativa do bloco, Guedes anunciou que “o Mercosul vai se modernizar e quem estiver incomodado que se retire”.

A redução de tarifas de importação é medida que, em tese, faz avançar a modernização. Mas a existência de uma tarifa externa comum (TEC), que teoricamente confere ao bloco a condição de uma união aduaneira, implica compromissos entre seus membros a respeito de mudanças nas alíquotas aplicadas por cada um deles aos produtos importados.

Instituída em 1995 pelo Tratado de Assunção como instrumento essencial para aprofundar a integração entre os países do Mercosul, a TEC tem regras que asseguram alguma flexibilidade a cada membro, por meio de listas de exceções. O Brasil e a Argentina, por exemplo, podem ter até 100 produtos na lista. Para o Paraguai, a lista chega a 649. Assim, as exceções são tantas que a TEC se tornou uma colcha com muitos furos.

Também em situações excepcionais, como em casos de “proteção da vida e da saúde das pessoas”, as tarifas de importação podem ser alteradas. Em novembro do ano passado, o governo brasileiro invocou essa excepcionalidade para reduzir em 10% as alíquotas de 87% dos produtos que constam da lista de importações do País. Ficaram de fora automóveis e produtos do setor sucroalcooleiro, que já dispõem de regime especial de taxação. Na época, a alegação foi a de que, com o corte da tributação, poderia haver um “choque de importação” que minimizaria a alta dos preços internos.

Outro ponto de atrito dentro do bloco é a flexibilização da regra que proíbe um de seus membros de negociar isoladamente acordos bilaterais. Por essa regra, qualquer acordo comercial com terceiros países só pode ser feito com a participação de todos os membros do bloco. A Argentina resiste à mudança dessa regra. Sem acordo, o bloco não avança em negociações comerciais que poderiam estimular o comércio com o resto do mundo e o crescimento regional nem permite que alguns de seus membros o faça. E vai perdendo espaço e relevância na economia mundial.