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Mordaça inaceitável

Silêncio imposto aos professores da UFPel é tentativa de intimidar os críticos de Bolsonaro

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Por Notas & Informações
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A Controladoria-Geral da União (CGU) impôs uma espécie de mordaça a dois professores da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) que criticaram publicamente a péssima condução da pandemia de covid-19 pelo presidente Jair Bolsonaro. O que os docentes fizeram nada mais foi do que observar algo que está claro para qualquer cidadão minimamente informado sobre o que se passa no Brasil. O irremediável descaso do presidente da República diante da maior tragédia que se abateu sobre as atuais gerações transformou o que seria uma grave crise de saúde pública neste horror sem fim.

Os professores Pedro Hallal, ex-reitor da UFPel, e Eraldo dos Santos Pinheiro, pró-reitor de Extensão e Cultura, assinaram um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para pôr fim a um processo administrativo na CGU que poderia ter desfecho mais gravoso. Pelos termos do acordo, ambos deverão se abster de manifestar suas opiniões sobre a atuação de Bolsonaro na gestão da crise sanitária pelos próximos dois anos, ou seja, enquanto Bolsonaro for presidente.

É inaceitável. O “acordo” da CGU com os docentes não é outra coisa se não intimidação, uma ação nada sutil de um órgão de Estado não só para calar dois críticos da gestão, por assim dizer, de Bolsonaro, como também, e principalmente, para ameaçar outros servidores públicos que tenham o atrevimento, ora vejam, de apontar os erros e omissões do “mito”, infalível que é.

Dois professores são punidos hoje por manifestações de pensamento que desagradaram ao presidente e seus apoiadores com cargos em órgãos públicos. Amanhã, o que pode acontecer? Até onde irá essa escalada autoritária? Se limites não forem impostos agora, o que impedirá, no futuro, que opositores do governo sejam calados ou até mesmo presos, a depender da interpretação que façam de suas críticas? O Brasil ainda está sob o império das leis. E a Lei Maior garante que é livre a manifestação de pensamento.

A decisão da CGU, tomada após representação feita pelo deputado Bibo Nunes (PSL-RS), bolsonarista de quatro costados, merece firme reação da sociedade. É uma afronta às liberdades de expressão e de cátedra consagradas pelas leis e pela Constituição. À Justiça cabe impor reparações aos ofendidos nos casos de abuso de direitos e violações legais, mas sempre após o exercício do direito.

A CGU classificou as críticas dos professores de “desapreço” a Bolsonaro. O enquadramento como uma conduta tida como “de menor potencial ofensivo” evitou punições mais severas, como a demissão do serviço público, o que teria motivado Pedro Hallal e Eraldo Pinheiro a assinarem o TAC. Mas o caso é aviltante de toda forma. Ao fim e ao cabo, trata-se de uma desabrida ação para silenciar críticas ao governo.

O Ministério da Educação (MEC) se animou com o avanço liberticida sobre os docentes da UFPel. Após o desfecho na CGU, o MEC enviou ofício às instituições federais de ensino de todo o País “alertando” que manifestações de natureza política nos campi poderiam ser classificadas como “imoralidade administrativa”, sujeitas a punições disciplinares. Com o ofício ameaçador, o MEC enviou uma representação assinada por Ailton Benedito, membro do Ministério Público Federal (MPF) e aguerrido apoiador de Bolsonaro nas redes sociais.

Diante da enérgica reação da comunidade acadêmica e de outros setores da sociedade, o MEC cancelou ontem os efeitos do ofício que servia claramente para “prevenir e punir” a fim de “evitar interpretações diversas da mensagem a que pretendia”, reforçando o “respeito (da pasta) à autonomia universitária preconizada na (sic) Constituição”. É inconstitucional qualquer ato que atente contra a liberdade de expressão de alunos e professores nas universidades. O Supremo Tribunal Federal (STF) já fixou jurisprudência sobre a questão. O recuo do MEC não garante que os liberticidas deixaram de lado seus objetivos. Que a Corte não falte à Nação nestes tempos estranhos. Novas investidas contra as liberdades virão.