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Na contramão do comércio global

Criador de vagas na crise, o agronegócio é ameaçado pelos erros do presidente

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Por Notas e Informações
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A questão ambiental será importante em qualquer grande acordo comercial no futuro, disse o diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Roberto Azevêdo. Os brasileiros, e especialmente seu governo, deveriam entender essas palavras como uma grave advertência. Se a tolerância à devastação da Amazônia e de outros biomas for mantida pela administração federal, os custos econômicos para o Brasil poderão ser muito altos. Com a imagem manchada pelos erros do presidente e de alguns de seus piores ministros, o setor mais competitivo da economia brasileira, o agronegócio, ficará sujeito a crescentes pressões protecionistas, já muito fortes em grandes mercados do mundo rico.

Nem a pandemia derrubou o agronegócio. Mesmo com maiores dificuldades, o setor continuou em crescimento, nos últimos meses, enquanto a indústria, o comércio e os serviços afundavam na crise provocada pela covid-19. Em junho o setor criou 36,8 mil postos de trabalho formais – diferença entre admissões e demissões, enquanto comércio, indústria e serviços fecharam o mês com saldos negativos. O mesmo contraste aparece nos números do primeiro semestre. Enquanto a agricultura gerou 62,6 mil empregos com carteira assinada, os outros grandes setores terminaram o período com saldo negativo de 1,26 milhão de empregos.

Num mesmo dia, foram noticiadas, em momentos diferentes, a declaração do embaixador Roberto Azevêdo, diretor-geral da OMC, e a geração líquida de empregos pela agricultura. Só quem acompanhasse vários canais de informação notaria os dois fatos e a sua possível conexão. Um terceiro evento atraía a atenção: a tentativa do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, de relaxar a meta oficial de redução, até 2023, de 90% do desmatamento e das queimadas ilegais.

O recuo do ministro Salles foi noticiado no mesmo dia, depois de muitas críticas e de uma intervenção do Ministério da Economia. A manobra escandalosa durou pouco. Se fosse mantida, seria mais uma ação desastrosa num período já marcado por muitas notícias sobre a multiplicação dos incêndios na Amazônia, no Cerrado e até no Pantanal, uma área em geral menos presente no noticiário sobre devastação ambiental.

“Qualquer grande acordo mundial no futuro incluirá a questão ambiental”, havia dito o embaixador Azevêdo num evento virtual organizado pela Câmara de Comércio Internacional e pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). “Na OMC começam a falar de negociações que levem a questão ambiental em consideração.” O Brasil, segundo ele, terá de se preparar para tratar do assunto “de maneira construtiva e crível”.

O presidente Jair Bolsonaro e seus ministros do Meio Ambiente e de Relações Exteriores têm ficado muito longe desse esforço. Desde o início do atual governo, ameaçaram rejeitar o Acordo de Paris, desprezaram os valores internacionais, contestaram os dados do Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (Inpe), enfraqueceram o Ibama e abriram espaço a devastadores – grileiros, madeireiros ilegais, garimpeiros irregulares e fazendeiros irresponsáveis.

Além de favorecer a destruição da floresta e de seus tesouros naturais, essa política prejudicou a segurança dos índios e os deixou mais expostos – fato especialmente grave em tempo de pandemia – a doenças contagiosas. Com isso, a imagem do Brasil foi maculada também com acusações de violação de direitos humanos de povos indígenas.

Se apenas os fatos econômicos interessassem, o cenário já seria muito ruim. A imagem do Brasil como domínio da destruição ambiental já assusta investidores. Mais grave, no entanto, é a deterioração da imagem do agronegócio autêntico e sério, aquele conduzido sem ameaças à Amazônia. Competitivo, esse agronegócio garante o superávit comercial e a segurança econômica externa. Manchado pelo presidente, o setor mais eficiente do País fica exposto ao risco do protecionismo. O custo para o Brasil pode ser desastroso, mas o presidente mostra-se incapaz de entender esse perigo e a responsabilidade econômica da Presidência.