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Não é só negacionismo

É equívoco pensar que a questão das vacinas envolve apenas funcionários de terceiro escalão. Jair Bolsonaro sempre se mostrou próximo e atento à questão

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Por Notas & Informações
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O depoimento de Roberto Ferreira Dias, ex-diretor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, à CPI da Covid teve uma série de incongruências, que levaram o presidente da comissão, senador Omar Aziz (PSD-AM), a decretar a sua prisão sob a acusação de crime de perjúrio. Horas depois, mediante pagamento de fiança, Roberto Ferreira Dias foi solto.

A sessão de quarta-feira passada foi marcada por informações contraditórias e inverossímeis. A história que Roberto Ferreira Dias contou a respeito do encontro, num shopping de Brasília, com o policial militar Luiz Paulo Dominghetti – que o acusou de pedir propina de US$ 1 por dose de vacina – fere a lógica e o bom senso. O exercício de cargo público deve envolver um mínimo de seriedade na prestação de contas à sociedade.

Mas, apesar de atribulada, a sessão do dia 7 foi muito proveitosa, trazendo informações valiosas sobre o objeto central de investigação da comissão. Trata-se de entender como o Executivo federal foi capaz de dar uma resposta tão equivocada, atrasada e omissa a tema tão grave e urgente, que afetou e continua a afetar a vida de todos os brasileiros.

Na sessão da CPI de quarta-feira passada, dois temas adquiriram especial materialidade. Em primeiro lugar, a cada revelação sobre o modus operandi do governo Bolsonaro, tem-se a impressão de que existe, na pasta da Saúde, uma espécie de briga entre quadrilhas. Há ainda muito a ser investigado, mas o que veio a público até agora em nada se assemelha ao que deve ser o funcionamento da administração pública, especialmente no meio de uma pandemia, com recursos escassos e urgentes necessidades.

Esse modus operandi, envolvendo acusações mútuas e até relatos de dossiês secretos, é especialmente escandaloso diante da constante afirmação de Jair Bolsonaro de que a corrupção na esfera federal seria coisa do passado. Com o que a CPI da Covid tem revelado, a jura de probidade ganha ares não apenas de engodo, mas de tática para intimidar os órgãos de controle. 

O segundo tema sobre o qual a sessão da comissão de quarta-feira passada jogou luzes envolve diretamente o item mais decisivo para a saúde dos brasileiros e para a economia do País neste momento: as vacinas contra covid.

Antes da CPI, já era evidente que o governo Bolsonaro retardou a compra de vacinas. Mas, até então, os motivos desse atraso não eram muito conhecidos. Atribuía-se tanto ao negacionismo bolsonarista, que chamava de gripezinha a doença que matou mais de meio milhão de brasileiros, como à rivalidade política do Palácio do Planalto com o governador de São Paulo. Jair Bolsonaro parecia preferir privar os brasileiros da vacina produzida pelo Instituto Butantan a reconhecer os méritos de João Doria no combate à pandemia.

Agora, esses dois motivos não perderam validade, mas ganharam uma dimensão um tanto secundária. Não é que o governo Bolsonaro não quisesse simplesmente comprar vacina. A CPI da Covid tem mostrado intensas negociações de vacinas.

A questão é, portanto, de outra ordem. Os elementos trazidos até agora revelam que o governo Bolsonaro nutriu especial preferência por algumas vacinas não em razão de sua eficácia – basta ver o tratamento dado aos e-mails da Pfizer –, mas pelo modo como elas eram negociadas. Aqui também há ainda muito a ser investigado, mas os indícios mostram especial presteza em negócios sobre vacinas com potencial de propina. Os intermediários do governo Bolsonaro demoraram para responder à farmacêutica americana, mas não tiveram empecilhos para conversar sobre compra de vacinas com terceiros num shopping de Brasília, fora do horário de expediente.

É um equívoco pensar que a sessão da CPI de quarta-feira passada envolve apenas funcionários de terceiro escalão. Jair Bolsonaro sempre se mostrou próximo e atento à questão das vacinas, dando-se ao trabalho, por exemplo, de explicar em suas redes sociais quais vacinas o governo federal nunca compraria. A CPI da Covid tem ainda muito a elucidar. O trabalho está apenas começando.