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Nem esquerda nem direita

Fariam melhor os líderes do País se atentassem às condições sem as quais nenhuma governança será bem-sucedida, seja qual for a inspiração ideológica

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Por Notas e Informações
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Em setembro de 2009, o então presidente Lula da Silva, referindo-se à disputa eleitoral pela sua sucessão no ano seguinte, fez um discurso no qual qualificou de “fantástico” o fato de que, segundo ele, a campanha prometia ter “um nível muito melhor” porque “pela primeira vez nós não vamos ter um candidato de direita na campanha”. “Antigamente – Lula dizia –, era o centro-esquerda e a esquerda contra os trogloditas da direita”. E continuou: “Vocês querem conquista melhor do que numa campanha neste país a gente não ter nenhum candidato de direita? Vai ser uma coisa inédita”.

Dez anos depois, o presidente Jair Bolsonaro declarou, em referência à campanha eleitoral do ano que vem, que comunistas são semelhantes a fezes e disse que, “nas próximas eleições, vamos varrer essa turma vermelha do Brasil”. Tirados os termos escatológicos, o pronunciamento guardou semelhanças com aquele feito por Bolsonaro no dia de sua posse, em que qualificou o início de seu governo como o “dia em que o povo começou a se libertar do socialismo”.

Quem leva a sério tais delírios de retórica fica convencido de que o País está há pelo menos uma década prisioneiro de uma guerra sem quartel entre radicais de esquerda e de direita, empenhados numa campanha de destruição mútua. Esse embate, além de excitar militantes e fanáticos de ambos os lados, teria capturado a agenda e a inteligência nacionais de tal modo que todo ato de governo, tanto agora como no passado lulopetista, deve ser avaliado sob o prisma da orientação ideológica do mandatário de turno, e não por sua pertinência e por seus fundamentos.

A persistência da crise nacional, com efeitos particularmente nocivos para a parcela mais pobre da população, indica que a redução ideológica dos problemas brasileiros não serve bem ao País. Ao contrário, perturba o debate sobre os principais problemas e, consequentemente, a adoção das melhores soluções. Fariam melhor os líderes políticos do País se atentassem para as condições sem as quais nenhuma governança será bem-sucedida, seja qual for sua inspiração ideológica.

A primeira condição indispensável é a responsabilidade fiscal. É a partir da necessidade imperiosa de equilibrar receitas e despesas que a sociedade e o poder público são obrigados a discutir as reais prioridades do País. Nenhum governo, seja à esquerda ou à direita, consegue implementar sua plataforma sem as contas em ordem.

Além disso, não é possível incentivar o desenvolvimento do País sem um ambiente de negócios que estimule o investimento privado e o aumento da produtividade. Para isso, é preciso reduzir a burocracia, tornar as regras claras, previsíveis e estáveis e, principalmente, garantir a plena prevalência do Estado de Direito e das normas democráticas. O governo de um mandatário dado a rompantes motivados por certezas ideológicas, atropelando a lei e ignorando os limites institucionais do exercício do poder, torna tudo muito incerto, o que naturalmente inibe investimentos. E é de investimentos que o País precisa.

Do mesmo modo, o País não terá nenhuma chance de atingir um alto grau de desenvolvimento sustentado se não tiver uma política externa pautada pelo objetivo de agregar mercados, e isso implica manter boas relações com a maior parte do mundo. Fará mal o governo que alinhar automaticamente o Brasil a qualquer país, ainda mais por motivos exclusivamente ideológicos, pois essa atitude tende a fechar preciosas portas comerciais e a diminuir o peso brasileiro em organismos multilaterais. Também fará muito mal ao Brasil o governo que sinalizar menosprezo a tratados internacionais, algo que somente Estados párias fazem.

Por fim, mas não menos importante, o crescimento sustentado do Brasil depende de uma política social que proporcione condições dignas de educação, saúde, saneamento básico e segurança pública para todos, seja qual for a condição socioeconômica. Nenhum país progride condenando uma parcela de sua população ao desemprego crônico e à pobreza permanente. Enquanto esquerdistas e direitistas se digladiam em sua guerra imaginária para salvar o Brasil uns dos outros, milhões de brasileiros vivem a dura realidade da falta de perspectiva e de respeito.