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Novo penduricalho do Ministério Público

Além de imoral, a autoconcedida ‘gratificação por acúmulo de processos’ é um convite à ineficiência

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Por Notas&Informações
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Em maio, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) aprovou um novo penduricalho – a “gratificação por acúmulo de processos” – que aumenta o salário dos procuradores da República em até 33%, ou cerca de R$ 11 mil. O ato que instituiu o mimo, extensivo aos promotores e procuradores dos Ministérios Públicos estaduais, foi assinado pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, e começou a valer agora.

A prebenda autoconcedida é péssima por três razões. Em primeiro lugar, por sua imoralidade. A insensibilidade dos membros do CNMP seria impressionante, não fosse tão corriqueira. Os doutos membros do colegiado ignoram olimpicamente a realidade de um país onde milhões de seus concidadãos passam fome. O aumento da remuneração de uma casta de servidores bastante privilegiada, pois já recebem os maiores salários pagos pelo Estado, chega a ser uma ofensa diante de um cenário tão desolador para tantos brasileiros.

A decisão do CNMP de fechar os olhos para a realidade e cuidar apenas dos seus também é acintosa porque a mesma instituição a quem a Constituição incumbe de defender a ordem jurídica (art. 127, caput) cria burla ao próprio texto da Lei Maior. É disso que se trata. A fim de driblar formalmente o teto da remuneração dos servidores, que é o salário dos ministros do Supremo (R$ 39.293,22), o novo penduricalho é tratado como “gratificação”, não sujeita, portanto, à regra do abate-teto.

Por fim, a concessão da “gratificação” é muito ruim à luz do interesse público, pois é um convite à ineficiência. Os membros do Ministério Público serão agraciados por “acúmulo de processos”. Cada esfera da instituição definirá qual é o número mágico que desencadeará o pagamento do penduricalho. No Paraná, por exemplo, foi definido que um promotor que tenha sob sua responsabilidade mais de 200 processos tem direito ao aumento de 11% no salário. O Ministério Público paranaense já se movimenta para adequar a gratificação ao novo patamar definido pelo CNMP. Ora, que estímulo terão promotores e procuradores para dar andamento célere aos processos em que atuam se o acúmulo de ações lhes é benéfico do ponto de vista financeiro? Entre o próprio bolso e o interesse geral da sociedade, para onde há de pender a volição do servidor?

Como bem pontuou o professor Sérgio Praça, da Fundação Getulio Vargas (FGV), é uma disfuncionalidade do arranjo institucional do País que o Poder Judiciário e o Ministério Público possam ter à disposição mecanismos para determinar a própria remuneração, praticamente sem controle de outras esferas. “Eles abusam dessa autonomia”, disse o pesquisador.

A solução está no Congresso. Um projeto de lei que busca disciplinar a criação de benesses para servidores públicos foi aprovado na Câmara em julho de 2021. Hoje, repousa nos escaninhos da Comissão de Constituição e Justiça do Senado à espera da boa vontade do senador Davi Alcolumbre (União-AP), que está bem mais ocupado em transformar as embaixadas do Brasil no exterior em sinecuras para seus colegas.