Imagem ex-librisOpinião do Estadão

O bazar de Bolsonaro

Presidente posa de zeloso com o dinheiro público, mas avaliza fundo eleitoral de R$ 4 bi

Exclusivo para assinantes
Por Notas & Informações
3 min de leitura

O presidente Jair Bolsonaro pode ser ignorante em muitas coisas, mas sabe fazer contas à moda dele. Na aritmética bolsonarista, dois mais dois sempre são mais que quatro, conforme o desejo de sua freguesia no Congresso – de cuja fidelidade o presidente depende para sobreviver no cargo.

Foi com base na matemática do fisiologismo que Bolsonaro calculou em R$ 4 bilhões o valor do fundo eleitoral, que distribui recursos públicos para financiar campanhas. É mais ou menos o dobro do que foi destinado para a eleição municipal de 2020 – e um pouco inferior ao que foi bloqueado e cortado no orçamento da Educação deste ano.

Bolsonaro não chegou a esse valor sozinho, é claro. Teve ajuda dos líderes políticos e de partidos que cobram cada vez mais caro para participar da base aliada e defender seu impopular governo.

Como se sabe, o projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2022 encaminhado pelo governo ao Congresso, e aprovado no dia 15 passado, estabelece que o valor do fundo eleitoral seja equivalente a 25% da soma dos orçamentos da Justiça Eleitoral de 2021 e 2022. Técnicos da Câmara calcularam que isso dá em torno de R$ 5,7 bilhões, quase o triplo do fundo eleitoral de 2020.

Os governistas poderiam ter impedido que essa aberração prosperasse, mas escolheram nada fazer. Assim que a aprovação do aumento do fundo eleitoral tornou-se pública, causando justificada indignação, o presidente Bolsonaro, como já se tornou praxe, tratou de tentar se livrar da responsabilidade. Acusou o vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos, que presidiu a sessão que votou a LDO, de impedir que o aumento do fundo fosse derrubado. O exame do que aconteceu naquela sessão, contudo, mostra que o deputado Ramos apenas seguiu o regimento, enquanto os governistas colaboravam decisivamente para a aprovação.

Para efeito da encenação dos bolsonaristas e de seus associados, nada disso importa. Bolsonaro prometeu vetar o aumento do fundo: “Seis bilhões para fundo eleitoral? Pelo amor de Deus!”, disse o presidente, com fingida indignação.

Passadas duas semanas, Bolsonaro trocou a indignação pela resignação – esta, tão falsa quanto aquela. Informou a seus aduladores no cercadinho do Alvorada que não vetará os R$ 5,7 bilhões, mas apenas “o excesso do que a lei garante”. Segundo Bolsonaro, “a lei (prevê) quase R$ 4 bilhões” e “o extra de R$ 2 bilhões vai ser vetado”. O presidente disse que não pode “vetar o que está na lei”, porque, se o fizer, estará “incurso em crime de responsabilidade”.

Em entrevista à Rádio Itatiaia, Bolsonaro voltou a falar na tal “lei”, provavelmente referindo-se à Lei 13.487, que instituiu o fundo eleitoral. “Diz na lei que a cada eleição o valor tem que ser corrigido levando-se em conta a inflação. Então, eu tenho que cumprir a lei”, disse o presidente. Não há nada disso na lei.

Supondo-se que houvesse obrigação legal de reajustar o fundo eleitoral pela inflação, contudo, o valor jamais chegaria aos tais R$ 4 bilhões anunciados pelo presidente. Se aplicados os índices inflacionários previstos na LDO encaminhada pelo seu próprio governo, e não o peculiar cálculo do presidente, o fundo teria de ser reajustado para R$ 2,197 bilhões.

Portanto, nem as vírgulas do discurso do presidente são verdadeiras, como já não eram verdadeiras no palavrório de Bolsonaro ao informar em 2019 que também não poderia vetar o aumento do fundo eleitoral naquela ocasião porque, ora vejam, corria o risco de sofrer impeachment por crime de responsabilidade.

É evidente, conforme declarou o deputado Marcelo Ramos, que Bolsonaro faz apenas “jogo de cena”, posando de presidente zeloso com o dinheiro público enquanto avaliza, na prática, a duplicação do fundo eleitoral, para alegria dos congressistas. Não se sabe exatamente que instrumento legal o presidente usará para aprovar o fundo eleitoral de R$ 4 bilhões, mas criatividade é o que não falta entre os oportunistas.

Em se tratando de um fundo eleitoral que nem deveria existir, qualquer centavo é imoral. Mas os tempos não são exatamente virtuosos. No bazar presidencial, está tudo a preço de ocasião.