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O BC e a inflação fora dos limites

Incertezas sobre contas públicas e seus efeitos sobre o dólar são citados mais claramente que em outras manifestações do Copom

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Por Notas & Informações
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Pandemia, desarranjos na economia global e seca no Brasil explicam a maior parte da inflação de 2021, segundo o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto. A explicação aparece em carta de 15 páginas enviada ao ministro da Economia, Paulo Guedes, presidente do Conselho Monetário Nacional (CMN).

Cartas desse tipo são obrigatórias quando o aumento de preços ao consumidor fica fora do espaço de tolerância. A alta de preços em 2021 chegou a 10,06%. O centro da meta era 3,75%. O teto, 5,25%. Neste século, só o estouro de 2002, de 7,03 pontos porcentuais, foi maior que o do ano passado, de 4,81 pontos. Faltou explicar, entre outros pontos, por que os dirigentes do BC demoraram a admitir a real gravidade da inflação.

Vários bancos centrais, incluído o americano, mantiveram por muito tempo a aposta em um breve surto inflacionário. O BC brasileiro participou dessa onda. Seu Comitê de Política Monetária (Copom) apontou em junho uma pressão mais persistente do que se esperava, mas em seguida amaciou a linguagem. O ajuste dos juros básicos para 4,25% era necessário, segundo comunicado emitido no dia 16, “para mitigar a disseminação” de “choques temporários sobre a inflação”. A mudança do jogo foi claramente explicitada na reunião de setembro, quando a taxa básica foi elevada a 6,25%. A partir daí, o aperto monetário, admitido sem restrição, deveria avançar “em território contracionista”.

Nessa altura, o Copom projetava inflação em torno de 8,5% para 2021, 3,7% para 2022 e 3,2% para 2023. Os três números estavam acima das metas e o primeiro já superava com folga o limite de tolerância. Estava amplamente evidenciado o atraso do BC em admitir a persistência e a gravidade das pressões inflacionárias. Mas esse detalhe ficou quase oculto na carta de explicação, embora o texto mencione “surpresas altistas nos dados de inflação” já nos meses finais de 2020.

Também nos Estados Unidos a política monetária se manteve permissiva por muito tempo, abrindo espaço a uma inflação de 7% em 2021. Foi a maior taxa em 12 meses desde junho de 1982, quando atingiu 7,6%. No mercado americano, no entanto, a política frouxa foi em parte compensada por uma ampla criação de empregos, mesmo com a atividade fraquejando no final de 2021. No Brasil, o surto inflacionário do ano passado resultou principalmente em maiores dificuldades para famílias atormentadas por uma severa escassez de oportunidades de trabalho, no quadro de uma economia muito debilitada. Pelas últimas estimativas do mercado, o Produto Interno Bruto (PIB) deve ter crescido cerca de 4,5% no ano passado, mal compensando a queda ocorrida em 2020.

A carta destaca os efeitos dos preços internacionais, inflados pela maior demanda em 2021 e por desarranjos nas cadeias de suprimentos. Parte importante da inflação brasileira veio do exterior e foi amplificada pela desvalorização do real. O texto também realça as consequências da seca e o encarecimento da eletricidade, citando os aumentos associados a diferentes bandeiras tarifárias. Além disso, lembra como a redução do distanciamento social afetou a demanda e os preços de serviços.

Menos comum que esses dados, em documentos do BC, é a referência às oscilações cambiais ocasionadas por incertezas sobre as contas públicas. O exame do assunto, na carta, é mais aberto que nos comunicados do Copom, muito contidos em relação a esses problemas. Na carta, a valorização do dólar é vinculada mais claramente às incertezas sobre o arcabouço fiscal e o endividamento público. Não se associa o nome do presidente Jair Bolsonaro a essa insegurança, mas o vínculo é evidente. Na questão cambial, assinala o texto, há o rompimento de um padrão histórico: diante do aumento de preço das commodities exportadas pelo Brasil, o real tenderia a valorizar-se, seguindo um curso oposto ao observado no último ano e meio. O rompimento é explicável, como sabe qualquer cidadão passavelmente informado, pelos desmandos cometidos a partir do gabinete principal do Palácio do Planalto.