Imagem ex-librisOpinião do Estadão

O Brasil cada vez mais isolado

Na Cúpula do Brics, Bolsonaro reforça narrativas que isolam ainda mais o País.

Exclusivo para assinantes
Por Notas & Informações
3 min de leitura

O presidente Jair Bolsonaro ainda não assimilou bem a derrota de seu ídolo, o presidente norte-americano, Donald Trump, e não compreende as mudanças no cenário internacional que advirão da posse de seu sucessor, o democrata Joe Biden. Ou talvez já enxergue Trump como um ex-presidente e creia ser seu herdeiro como o novo porta-voz do antimultilateralismo. É o que se depreende da participação do presidente brasileiro na 12.ª Cúpula do Brics. Seja qual for o caso, se Bolsonaro não mudar sua forma de governar, o Brasil ficará cada vez mais isolado no mundo.

Na reunião de cúpula com os presidentes Xi Jinping, da China, Cyril Ramaphosa, da África do Sul, Vladimir Putin, da Rússia, e o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, Bolsonaro voltou a dizer que o Brasil é vítima de “injustificáveis ataques” em relação à proteção da Floresta Amazônica, dando a entender que inconfessas motivações políticas e comerciais se sobrepõem às evidências científicas que revelam que, de fato, o desmatamento e as queimadas ilegais têm aumentado em grande medida porque o governo federal tem sido leniente no combate aos crimes ambientais.

Ao seguir negando a existência do problema, Bolsonaro interdita os canais para o diálogo e a cooperação que são essenciais para a proposição de soluções, tanto no ambiente doméstico como no exterior. O País só perde com isso.

O presidente brasileiro usou a cúpula para acusar países críticos à política ambiental de seu governo de importarem madeira extraída ilegalmente da Amazônia. “Estaremos revelando nos próximos dias países que têm extraído madeira de forma ilegal. E alguns desses países são os mais severos críticos ao meu governo no tocante a essa Região Amazônica. Creio que depois dessa manifestação (a divulgação da lista) que interessa a todos, por que não dizer, no mundo, essa prática diminuirá em muito”, disse Bolsonaro.

Fato é que o mercado brasileiro de madeiras é marcado por ilegalidades, sobretudo no que se refere à exportação. Entretanto, para que não caia ainda mais em descrédito, seria bom se Bolsonaro, de fato, já houvesse apresentado a lista e as evidências das acusações que fez desta vez. Ocorre, porém, que o presidente tem o pernicioso hábito de denunciar sem apresentar evidências ou provas. Convém lembrar que em março o presidente disse que provaria “em breve” que as eleições de 2018 foram fraudadas. Até hoje não se tem notícia das provas da tal “fraude” na eleição que o consagrou.

Sem constrangimento ou autocrítica, Bolsonaro também atacou a Organização Mundial da Saúde (OMS) pelo que chamou de “politização do vírus”, em referência à condução da pandemia de covid-19. Ora, se há alguém que politizou a emergência sanitária em defesa de seus interesses políticos foi o presidente brasileiro, emulando o discurso de seu ídolo Trump.

Sem citar Jair Bolsonaro, o presidente chinês, Xi Jinping, fez um contraponto durante seu discurso na Cúpula do Brics, não apenas em defesa da OMS, mas também em prol da cooperação entre as nações como meio apto a superar a crise sanitária e arrefecer as tensões comerciais. A propósito, Bolsonaro defendeu mudanças na Organização Mundial do Comércio (OMC). “A reforma da OMC é fundamental para a retomada do crescimento econômico global”, afirmou. A este respeito, não está errado.

É lamentável a posição que hoje o País ocupa no concerto das nações, praticamente um pária internacional pela má condução da pandemia e pela beligerância de Bolsonaro em relação à agenda ambiental. Em entrevista ao jornal O Globo e à TV Globo, o ex-presidente Barack Obama reconheceu que, “no passado, o Brasil foi líder em relação a isso (a definição de políticas de preservação do meio ambiente) e seria uma pena se deixasse de ser”. O País já não é essa liderança. Obama foi apenas elegante.

Com a autoridade que conquistou em seus oito anos na Casa Branca, Obama ofereceu uma saída para o País. Em sua visão, a eleição de Joe Biden “é uma oportunidade de redefinir” a relação entre o Brasil e os EUA e o lugar do País na nova ordem global. O caminho está dado.