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O Brasil como construção coletiva

As nações mais prósperas são aquelas entendidas por seus cidadãos como um projeto de todos, para o qual cada grupo ou indivíduo contribui na medida de sua responsabilidade

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Por Notas&Informações
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O Brasil jamais se libertará das amarras que o aprisionam em um patamar de desenvolvimento humano, político e econômico abaixo de todo o seu potencial enquanto a sociedade não se assumir como a verdadeira responsável por seu próprio destino. Entre nós viceja o sebastianismo, essa eterna espera por um salvador que nunca chega. Cada ciclo eleitoral, com suas paixões de momento, reflete essa ânsia por encontrar o “painho” ou o “mito” de ocasião, aquele que, por seus atributos estritamente pessoais, haverá de nos tirar do atraso. Ao fim e ao cabo, o debate público fica reduzido a nomes, o que há muitos anos tem inspirado votos sob o signo da rejeição, não da esperança. Pouco se dialoga sobre uma ideia de país.

Esse ciclo pernicioso parece se repetir em 2022, ao menos até agora, às vésperas da campanha eleitoral oficial. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL) lideram as pesquisas de intenção de voto não porque são vistos pela maioria dos eleitores como líderes de uma concertação política com vistas à construção de um Brasil melhor para todos, mas simplesmente por serem quem são, um o antípoda do outro. Tanto Lula como Bolsonaro têm a enorme capacidade, há que reconhecer, de explorar as emoções do eleitorado da forma mais nefasta possível. São hábeis em pautar o debate público nos termos em que ambos se sentem confortáveis – não raro ao rés do chão. As questões de fundo sobre as quais os cidadãos deveriam estar debatendo, sobretudo neste ano de eleições gerais, são deliberadamente negligenciadas.

Ao longo de quase 150 anos de história, o Estadão jamais se conformou com esse reducionismo. Este jornal acredita que é papel inalienável de um veículo jornalístico profissional e independente oferecer à sociedade informações confiáveis como substrato para o engrandecimento do debate público. Por meio de seus editoriais e reportagens, o Estadão tem procurado mostrar que os temas que interessam ao País podem ir muito além do que querem fazer crer os autoritários, populistas e irresponsáveis de plantão.

Justamente neste ano em que se prenuncia uma das campanhas eleitorais à Presidência da República mais violentas e mentirosas de nossa história, o Estadão não haveria de se omitir. O jornal elaborou 15 questões, publicadas no domingo passado, que podem servir como ponto de partida para um diálogo entre eleitores e candidatos sobre uma agenda mínima que o futuro governo precisará liderar se acaso quiser que o Brasil supere os obstáculos que impedem o País de atingir seu máximo potencial de desenvolvimento. São questões que se coadunam com as ideias constitutivas deste jornal, mas apenas por uma benfazeja coincidência: as indagações do Estadão sobre questões ligadas à educação, saúde, economia e política, entre outros temas, coincidem com diagnósticos de especialistas que enxergam o País muito acima das miudezas das disputas político-ideológicas momentâneas.

As nações mais prósperas, sob todos os aspectos, são aquelas entendidas por seus nacionais como um projeto de construção coletiva, para o qual cada indivíduo ou grupo contribui na medida de sua responsabilidade. É a essência da cidadania. Isso não implica, obviamente, a supremacia do pensamento único, nem tampouco majoritário, isto é, não significa impor às minorias a mera condição de espectadoras ou coadjuvantes. Trata-se, muito ao contrário, de uma exortação à consciência de cada um dos cidadãos. A sociedade é composta por indivíduos e interesses muito distintos, mas não necessariamente irreconciliáveis. Significa estabelecer consensos mínimos, a começar pela defesa da dignidade humana, e, a partir deles, avançar no que é possível por meio do diálogo, da boa política.

É lastimável que, até aqui, o debate público tenha sido pautado por questões inventadas pelos dois principais candidatos à Presidência, e não pelos problemas que tiram o sono da maioria dos brasileiros. Mas quando a sociedade souber que país deseja construir, tanto mais fácil será escolher quem está apto, ou não, a guiá-la nesse projeto.