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O Centrão não é destino

Ao contrário das aparências, Brasil não está fadado a conviver com a política daninha simbolizada por Arthur Lira e Ciro Nogueira. O País é capaz de criar um arranjo político decente

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Por Notas & Informações
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A sociedade civil se ergueu para afirmar em alto e bom som que o regime democrático, reconquistado à custa de muito sofrimento, é inegociável e que sua defesa está acima de divergências político-ideológicas que possam dividir os cidadãos. Está claro que os delírios autoritários do presidente Jair Bolsonaro podem excitar suas noites insones e estimular a imaginação dos fanáticos liberticidas que ainda o apoiam, mas não vão além disso. A subversão da ordem constitucional sonhada pelo presidente da República, para se sustentar no tempo, exigiria um grau de força – material e política – e um espectro de apoios que Bolsonaro, definitivamente, não tem e nem terá.

Isso ficou evidente com a massiva adesão popular à Carta às Brasileiras e aos Brasileiros, manifesto cívico organizado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo em defesa do Estado Democrático de Direito e da Justiça Eleitoral.

A Carta idealizada no Largo de São Francisco tem o mérito histórico de agregar diferentes segmentos representativos da sociedade – do capital e do trabalho – em torno da defesa inarredável da democracia e das eleições periódicas. Mas os ataques de Bolsonaro ao sistema eletrônico de votação, e à própria realização da próxima eleição, são apenas o mais imediato dos problemas pelos quais passa a democracia brasileira.

Depois que as próximas eleições forem realizadas, e seus resultados forem homologados pela Justiça Eleitoral e reconhecidos por todas as pessoas decentes no País, exatamente como tem acontecido sem incidentes nas últimas décadas, será preciso redesenhar o modo como o País se governa. A se manter o modelo atual, em que os fiadores do governo enfraquecem o Executivo e controlam o Orçamento sem qualquer transparência e sem respeito aos eleitores e contribuintes, não se pode falar em vigor democrático, mesmo que as eleições sejam, como serão, as mais limpas e justas da história.

O modo como o Orçamento é elaborado e executado está na essência da democracia, pois diz respeito ao zelo com o dinheiro público e ao debate sobre a destinação desses escassos recursos. Quando o Orçamento é dominado por um punhado de partidos e caciques, que tomam para si a tarefa de escolher como e onde o dinheiro público será gasto, sem prestar contas aos cidadãos, não se pode falar em democracia.

Lutar pela democracia, portanto, é também lutar para que a destinação de bilhões de reais em recursos públicos seja submetida ao interesse nacional, e não ao paroquialismo do Centrão. Defender a democracia, num país presidencialista, é resgatar a autoridade do futuro presidente da República de ser o grande indutor da agenda nacional. Isso se perdeu pela fraqueza moral e política do atual mandatário. Entre os muitos males que causou, Bolsonaro rebaixou a democracia brasileira a um patamar humilhante, e nada indica que, se reeleito, será capaz de fazer diferente. Sua recondução, portanto, condenará a democracia brasileira a um longo inverno.

Não são poucos, contudo, os que consideram que, seja lá quem ocupe a Presidência a partir de 2023, tudo ficará como está. Talvez por apatia, tem-se por certo que o Brasil está condenado a viver sob o jugo desse arranjo predatório. Nada mais longe da verdade.

É perfeitamente possível que as relações entre a Presidência e o Congresso se deem em termos minimamente republicanos. Ao contrário das aparências, a associação perniciosa entre Bolsonaro e o Centrão, assim como, antes dela, o consórcio criminoso entre o PT e os mensaleiros, não são as únicas formas de governar o País. A história mostra que a formação de coalizões de governo não implica, necessariamente, corrupção ou cessão de responsabilidades para parlamentares desprovidos de espírito público. Trata-se de dividir o poder, o que é absolutamente normal em uma democracia. A anomalia, que chegou ao paroxismo no atual governo, está no propósito espúrio que anima o exercício de todo esse poder. E é isso que precisa mudar. Unida em torno de uma causa comum, como essa, a sociedade tem condições de dar o destino que quiser ao Brasil.