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O céu é o limite para a conta de luz

Com custos opacos, tarifa residencial de energia sobe 114% desde 2015, mais que o dobro da inflação e sem sinal de alívio no curto prazo

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Por Notas&Informações
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A persistência de reajustes elevados nas contas de luz dos brasileiros nos últimos sete anos é um sinal claro de que há algo de muito errado no modelo do setor elétrico. Desde 2015, a tarifa subiu mais que o dobro da inflação, segundo dados da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel) revelados pelo Estadão. De acordo com a entidade, a energia residencial subiu 114% no período, enquanto a inflação acumulou alta de 48%. Já no mercado livre, ambiente de negociação de grandes consumidores, o aumento foi de 36%. Várias razões explicam esse fenômeno, mas poucas têm relação com a eletricidade em si.

Como uma cesta básica, a conta de luz é composta por vários itens. A principal diferença é que os mais vigilantes podem optar por não comprar um produto mais caro, substituí-lo por outro mais barato ou ainda procurar ofertas em um estabelecimento concorrente, grau de liberdade que contribui para conter o repasse de custos aos preços finais. Nas tarifas, ocorre exatamente o contrário. O consumidor não tem qualquer controle sobre os componentes que integram a fatura e não pode escolher a empresa que o atende. Caso queira economizar, descobrirá que seu gasto tem baixa elasticidade e, se ficar inadimplente, terá o fornecimento cortado.

Mais recentemente, o aumento da energia foi associado a ações para debelar o risco de um racionamento e de apagões em meio à crise hídrica. Com as chuvas intensas dos últimos meses, os reservatórios das usinas hidrelétricas, que ainda são a principal fonte da matriz energética brasileira, já registram níveis mais confortáveis, mas essa melhora não é repassada às tarifas e nem será tão cedo, haja vista a manutenção da bandeira escassez hídrica ao menos até abril.

Um olhar mais apurado sobre os reajustes concedidos às distribuidoras mostra, paradoxalmente, que a energia não é a parte mais cara da conta. Na tarifa da Enel SP, que atende a capital paulista, a geração corresponde a 30,8% do total, enquanto tributos e encargos setoriais, juntos, alcançam 39,3%. O ICMS é um dos componentes de maior peso, mas é também uma das principais fontes de arrecadação dos Estados e municípios para financiar saúde, educação e segurança. Já os encargos se tornaram praticamente mais um imposto federal: bancam de políticas públicas relevantes – como o Luz para Todos e a Tarifa Social, para famílias de baixa renda – a subsídios para grupos de interesse que estão longe de passar qualquer necessidade.

Talvez o consumidor não considere justo pagar um valor maior para proporcionar um desconto para agricultores e taxas mais baixas para fontes como a eólica e a solar. Não importa: a escolha é do Congresso Nacional, que aproveitou a porteira aberta por governos petistas ao criar os encargos para embutir na conta de luz o custo de toda e qualquer vantagem distribuída a setores escolhidos a dedo. “Não terá refresco, pelo menos nos próximos três anos. No Orçamento de 2022, há um aumento de quase 25% na conta que banca os subsídios. E vai crescer muito mais até 2025”, disse ao Estadão o ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) Edvaldo Santana.

A conta de luz se tornou um instrumento absolutamente opaco. Não há fiscalização sobre o uso do dinheiro repassado a esses grupos de interesse, diferente do Orçamento, sujeito à fiscalização de órgãos de controle e prestação de contas dos beneficiários. As tarifas de energia tampouco têm um instrumento como o esburacado teto de gastos, que impunha aumento de receitas ou corte de despesas como contrapartida a novos dispêndios – tarefa que gerou desgastes para integrantes do Ministério da Economia que assumiram, sem sucesso, a missão de refrear ímpetos populistas. Na conta de luz, o céu é o limite: ninguém defende o consumidor residencial. Em vez de enfrentar os mais do que conhecidos problemas e distorções do setor elétrico, o governo prefere recorrer a empréstimos bilionários que pedalam custos e que acabam integralmente repassados às faturas. Com juros.