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O desafio do consumo d'água

Pesados investimentos serão necessários para que não haja colapso do abastecimento

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Por Notas e Informações
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As projeções sobre o consumo de água tratada no Brasil, na próxima década, segundo dados da Conjuntura dos Recursos Hídricos 2018, da Agência Nacional de Águas (ANA), constituem um alerta às autoridades de todos os níveis de governo que têm uma parcela de responsabilidade na solução do problema. Como mostra reportagem do Estado, o consumo deverá crescer 24% até 2030. Pesados investimentos serão necessários para que não haja colapso do abastecimento.

O principal consumidor foi de longe o agronegócio: 52% para a irrigação das lavouras e 8% para a criação de animais. Em seguida vêm o abastecimento humano nas cidades, com 23,8%, a indústria (9,1%), as usinas termoelétricas (3,8%), o abastecimento rural (1,7%) e a mineração (1,6%). Trata-se de um consumo quase impossível de ser comprimido, a não ser com graves prejuízos para a população e para a economia, bastando lembrar que as seguidas estiagens dos últimos anos já forçaram a redução do abastecimento doméstico. Quanto ao maior consumidor, o agronegócio, sua importância é tal hoje, tanto para o abastecimento interno como para a exportação, que uma eventual redução do fornecimento de água acarretaria efeitos danosos sobre vários outros setores. Apesar de o País ter avançado 80% na produção de água tratada nas últimas décadas, afirma o diretor da ANA Marcelo Cruz, um aumento de consumo daquele nível é inquietante. “A perspectiva de crescimento é elevada e inspira um sinal de alerta, para que tenhamos uma gestão compatível. Não significa que estejamos em um cenário fora de controle, porque nossos números de oferta de água são confortáveis”, diz ele. De fato, graças às chuvas abundantes de 2018, alguns dos maiores reservatórios estão se recuperando, como o de Sobradinho (BA), o mais importante da Região Nordeste, no Rio São Francisco, que chegou a ficar com apenas 4% de sua capacidade e agora está com 29%. 

Outro é o de Furnas (MG), cujo nível subiu de 10% há um ano para 24%. As chuvas também têm favorecido o do Rio Descoberto, a 50 km de Brasília, responsável por 60% do abastecimento do Distrito Federal, que em seu pior momento teve o nível reduzido a 5,4%.

Está certo Marcelo Cruz ao aproveitar o lançamento do estudo anual da ANA para fazer o seu alerta, porque é exatamente esse momento - quando a situação está sob controle - o melhor para redobrar os cuidados e as obras destinados a enfrentar o desafio do grande aumento previsto de consumo. Em meio a crises, tudo fica mais difícil. “Há muito a ser feito”, diz ele, citando como um dos muitos problemas que existem pela frente o fato de que “mais da metade das águas que retiramos dos nossos mananciais e produzimos não chega ao consumidor por problemas de infraestrutura”. Há uma perda muito elevada e inaceitável.

Os investimentos necessários para enfrentar o problema do saneamento básico são muito elevados. Eles estão estimados em R$ 442 bilhões nos próximos 20 anos. Não basta, portanto, apenas haver disposição de agir. É preciso saber onde buscar esses recursos. Com o Estado em graves dificuldades, sem a participação ativa do capital privado não será possível vencer esse desafio, como finalmente o poder público já percebeu. Como empresas privadas do setor - que participam hoje de só 6% dele - têm manifestado interesse nesse negócio, a perspectiva é promissora. 

Passos importantes estão sendo dados para facilitar o aumento dos investimentos privados, tanto na mudança da legislação que rege o setor como do ponto de vista administrativo. Em outubro, por exemplo, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) aumentou de 80% para 95% o valor do financiamento para projetos de saneamento básico. Era grande, segundo o banco, o número de empresas privadas com interesse em obter esse tipo de financiamento que não conseguiam cumprir a exigência de entrar com 20% de capital próprio. Medidas assim são o caminho a seguir para enfrentar o desafio do aumento de consumo de água tratada.