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O desalento dos brasileiros

A sociedade não vê o País com bons olhos, mas cabe aos cidadãos acabar com este mal-estar

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Por Notas & Informações
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A consultoria Ipsos acaba de publicar a pesquisa Broken-System Sentiment in 2021, realizada em 25 países, que coloca a sociedade brasileira no topo do ranking mundial de desalento. Para 69% dos mil brasileiros entrevistados pela empresa, o Brasil é um país “em declínio”. Atrás do Brasil, os países com as piores percepções sobre si mesmos são o Chile, a África do Sul e a Argentina, os três com 68%, e, em terceiro lugar, a Colômbia, com 67%. Os brasileiros também têm uma das piores percepções sobre coesão social: para 72% dos entrevistados, a sociedade está “falida”, o que coloca o Brasil atrás apenas da Hungria (72%) e da África do Sul (74%).

Um resultado tão desolador como esse pode levar muitos a crer que não há mais nada a ser feito a não ser cada cidadão cuidar da própria vida e deixar os rumos do País largado à própria sorte. Afinal, se o Brasil é um país “em declínio” e não há coesão social para mudar o curso desta triste história, o que nos resta? Uma coisa, no entanto, não está dissociada da outra, vale dizer, reverter estes sentimentos passa, fundamentalmente, pela ação direta de cada cidadão. O desalento deve ser substituído pela ação política, não necessariamente partidária. Fácil não é, mas, passado o susto, é hora de identificar as razões do mal-estar social e, principalmente, resgatar o valor da cidadania. Este será o passo determinante na direção do futuro melhor que se pretende para o Brasil.

“Eu espero que esta pesquisa cumpra o papel de dar um chacoalhão (nos brasileiros). A crítica às instituições políticas é generalizada ao redor do mundo, mas não de forma tão aguda como no Brasil”, disse Hélio Gastaldi, porta-voz da Ipsos, à BBC Brasil. De fato, ainda que sejam as piores possíveis, as percepções dos brasileiros sobre o próprio país e a sociedade não estão totalmente descoladas dos resultados apurados pela Ipsos nos demais países pesquisados. Em média, 57% dos entrevistados veem seus países em “declínio”, resultado muito próximo da percepção média acerca da “falência” da sociedade (56%).

Mas tratemos do Brasil. Os brasileiros têm alguma razão em não se sentirem senhores dos destinos do País. O custo da cidadania – ou seja, de pensar e agir como membro de uma comunidade – parece ser alto demais para muitos que aqui vivem, como se o retorno do Estado e da sociedade para o esforço individual do cidadão não fosse perceptível. Há muitos cidadãos que não se sentem representados em suas angústias e aspirações por instituições como a imprensa, os partidos políticos, os governos e outras esferas de representação. Nada menos do que 82% dos brasileiros ouvidos pela Ipsos afirmaram que “a elite política e econômica não se importa com pessoas que trabalham duro”. Para 80%, a economia é “manipulada para favorecer os mais ricos e poderosos”.

Logo, não surpreende que dois dos mais bem colocados pré-candidatos à Presidência nas pesquisas de intenção de voto para 2022 sejam dois populistas autoritários – Lula da Silva e Jair Bolsonaro. Cada um à sua maneira, não passam de dois vendedores de baldadas ilusões, que, muito antes de apresentarem planos concretos para atacar os reais problemas do País, procuram explorar o desencanto da sociedade para auferir ganhos políticos – quando não financeiros – para si e para um restrito círculo de aduladores. Ademais, são líderes que promovem a cisão da sociedade, que governam para seus nichos, o que só reforça a crise de representação traduzida em desalento pela Ipsos.

Não haverá futuro auspicioso para o Brasil enquanto parcelas expressivas da sociedade se deixarem capturar pela falácia do discurso populista, irresponsável, desagregador, seja qual for o seu corte ideológico. A solução para reverter os problemas de fundo do País – e, consequentemente, a péssima imagem que os brasileiros têm do Brasil – passa por um caminho diametralmente oposto à via tortuosa do populismo, o resgate da cidadania e das instituições republicanas.