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O desperdício da retomada

Depois da reação, indústria, varejo e emprego rolaram de volta pela ladeira

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Por Notas & Informações
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Durou pouco a recuperação do comércio depois do tombo do ano passado. Com o recuo de 0,6% em março, houve quatro quedas nos cinco meses a partir de novembro. Além disso, o volume vendido, segundo o último balanço mensal, foi 0,3% menor que o comercializado em fevereiro de 2020, antes do impacto da pandemia. É injusto atribuir todo o estrago ao coronavírus, sem levar em conta a desastrosa colaboração do governo. Em março deste ano só aumentaram as vendas de hipermercados, supermercados e lojas de alimentos e bebidas, com avanço de 3,3%. As famílias tentaram pelo menos continuar comendo, mas nem todas tiveram dinheiro para encher as panelas.

O desempenho mensal foi negativo nas outras sete atividades pesquisadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com destaque para tecidos, vestuário e calçados (-41,5%) e móveis e eletrodomésticos (-22%). No varejo ampliado (com acréscimo de veículos, componentes e material de construção) houve recuo de 5,3%. Na comparação com o nível pré-pandemia, a queda foi de 3,6%.

O enfraquecimento do varejo, no fim de 2020 e no primeiro trimestre de 2021, é em parte explicável pelo abandono dos mais pobres pelo governo. Primeiro houve a redução do auxílio emergencial, a partir de setembro. Depois, veio a suspensão dos pagamentos, no começo do ano. Ao mesmo tempo, o desemprego cresceu e atingiu 14,4 milhões de pessoas (14,4% da força de trabalho) no trimestre móvel até fevereiro. Em outros países o mercado de trabalho melhorou, passado o primeiro grande impacto da covid-19. No Brasil, as condições de emprego continuaram muito ruins, enquanto a recuperação econômica perdia vigor.

Com tantos desempregados e subaproveitados, o consumo fraquejou e o varejo continuou travado. Com a fraca demanda interna, a produção industrial diminuiu, recuando 2,4% em março e 3,1% em 12 meses. Em março, o volume produzido de bens de consumo foi 11% menor que o de fevereiro. Com mau desempenho nesses dois meses, foi pelo ralo a recuperação acumulada entre maio de 2020 e janeiro deste ano. Assim, o patamar de março de 2021 foi o mesmo de fevereiro do ano passado.

Incapaz de programar as próprias finanças e de estabelecer algum roteiro para a economia, o governo certamente perdeu o primeiro trimestre. Alguma retomada talvez tenha ocorrido a partir de abril, mas essa afirmação ainda é muito insegura. Ainda muito fraca, a economia continua com escasso potencial de geração de empregos. O emprego escasso permanece insuficiente para sustentar uma recuperação segura do consumo e, portanto, da demanda de bens industriais.

Uma rara novidade positiva é a elevação, em abril, do Indicador Antecedente de Emprego, calculado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) com base em sondagens das condições setoriais e das expectativas de empresários e consumidores. Com aumento de 1,6 ponto, o índice chegou a 78,7 pontos. Considerada toda a série a partir de setembro, o número de abril só é superior ao de março (77,1) e muito inferior ao pico alcançado em dezembro (85,7). A melhora, portanto, foi muito pequena. Isso aponta expectativas e tendências bem mais modestas do que aquelas apuradas entre setembro e fevereiro. Além disso, o indicador também ficou muito abaixo do nível de fevereiro do ano passado (92), último mês antes do choque inicial da pandemia.

Indústria, varejo e mercado de trabalho recuaram, portanto, depois de alguns meses de recuperação, sinalizando novo enfraquecimento da economia. Incapaz de sustentar a retomada, o governo falhou em agosto ao desenhar um orçamento sem estímulos anticrise. Continuou falhando ao reduzir e depois extinguir o auxílio emergencial. Falhou de novo ao se meter, em 2021, numa negociação confusa sobre a lei orçamentária. Enfim, a insegurança sobre as contas públicas alimentou a instabilidade cambial e as pressões inflacionárias, prejudicando o consumo já enfraquecido, num ambiente afetado pelo negacionismo e pelo atraso da vacinação. Sozinho, dificilmente um vírus causaria um estrago tão amplo.