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O ensino superior e o desemprego

Cenário revelado pela Pnad Contínua é preocupante para o futuro do Brasil

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Por Notas & Informações
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Os últimos números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua revelaram que a taxa geral de desemprego foi de 13,3% no segundo trimestre de 2020, atingindo 12,8 milhões de pessoas. É um número muito alto, para um país que já tem um contingente de 32 milhões de trabalhadores informais, que atuam por conta própria e sem carteira assinada.

A situação é ainda mais preocupante entre os jovens de 18 a 24 anos, pois a taxa de desemprego ficou em 29,7% – ante 25,8% no mesmo período em 2019. Outra faixa etária muito afetada pelo aumento do desemprego foi a dos 25 aos 39 anos, atualmente com 35,3% de desocupados. Entre os diferentes problemas acarretados por esse avanço do desemprego, dois merecem atenção.

No caso dos jovens de 18 a 24 anos, muitos recém-graduados fizeram cursos superiores tradicionais, cujos currículos estão desconectados das tecnologias advindas com a Indústria 4.0. Por isso, em plena pandemia eles têm sido obrigados a buscar empregos sem a devida formação, num período em que as vagas disponíveis exigem habilidades específicas. Esse é o motivo pelo qual cerca de 50% dos brasileiros com graduação completa estão trabalhando em atividades que não exigem formação superior, como mostra o IBGE. E, apesar de as autoridades educacionais terem consciência desse problema há tempos, pouco têm feito para reformular a educação superior, que em muitas áreas continua carente de cursos interdisciplinares.

Atualmente, os cursos de graduação duram de quatro a cinco anos e são divididos em áreas tradicionais, como ciências exatas, biomédicas e humanas. De um modo geral, o primeiro ano é dedicado às disciplinas propedêuticas. O segundo é destinado às chamadas teorias gerais. O terceiro é voltado ao aprofundamento do nível de formação técnica. E os dois últimos envolvem a opção por áreas de especialização e a busca por estágios e postos de trainee.

O problema é que, como as mudanças tecnológicas ocorrem em ciclos temporais cada vez mais curtos, quando os estudantes ingressam num curso superior a tecnologia predominante é uma. Já quando se formam, ela é outra, o que os leva a se diplomar com uma formação tecnológica defasada. Dito de outro modo, quando fizeram o vestibular, depois de concluir um ensino médio com currículo ultrapassado, optaram por um cenário de mercado profissional que já não existe no ano em que se formam. Esse é um dos fatores responsáveis pelas altas taxas de evasão entre o primeiro e o terceiro ano no ensino superior – a taxa é de 60% nas universidades privadas e de 30% nas universidades públicas.

Já no caso dos trabalhadores da faixa etária entre 25 e 39 anos, o problema é de requalificação profissional com base nas novas tecnologias. No Brasil, a pós-graduação foi por muito tempo basicamente acadêmica, voltada para a formação de docentes e pesquisadores, e não de técnicos. E, além da resistência de alguns governos à expansão dos mestrados profissionalizantes, os cursos técnicos quase sempre ficaram circunscritos ao nível médio. Só nos últimos anos é que começaram a ser postas em prática experiências mais avançadas de requalificação profissional e aperfeiçoamento de habilidades exigidas pela revolução tecnológica e de acordo com a chamada internet das coisas.

Como emprego é vital para a retomada do crescimento econômico, esse é um cenário preocupante para o futuro do Brasil, num momento em que os países desenvolvidos e muitos países em desenvolvimento continuam investindo em capital humano para aproveitar as oportunidades que surgirão quando a pandemia passar. Entre nós, enquanto isso, o governo permanece sem rumo, o ano letivo está perdido e o Enem, que é a porta de entrada para as melhores universidades públicas brasileiras, foi adiado para 2021. E, apesar de o acesso ao ensino superior ter crescido na primeira metade da década de 2010, sua qualidade permanece baixa e distante da realidade da economia digital, como revelam as avaliações nacionais e internacionais.