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O equívoco das usinas emergenciais

Governo deve aproveitar rara chance de corrigir um erro e rescindir contratos de energia de empreendimentos atrasados

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Por Notas & Informações
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É bastante raro que erros cometidos por governos na elaboração e execução de políticas públicas possam ser corrigidos antes que gerem consequências e sem que a sociedade seja obrigada a pagar por eles. Felizmente, esse é o caso do leilão emergencial de energia realizado em outubro pela gestão Jair Bolsonaro. Preocupado com os impactos que a decretação de um racionamento e a ocorrência de apagões poderiam causar na competitividade da candidatura presidencial à reeleição, o Ministério de Minas e Energia (MME), de afogadilho, deu aval à realização de um procedimento simplificado que resultou na contratação de 17 usinas em outubro. A um custo de R$ 39 bilhões para os consumidores até 2025, os vencedores da disputa teriam um único compromisso: gerar eletricidade a partir de 1.º de maio deste ano.

Se à época os termos do leilão já haviam sido criticados pelo gasto bilionário, o balanço final expõe o fracasso de decisões orientadas pelo desespero eleitoral. Das 17 usinas, apenas uma conseguiu cumprir o prazo determinado; ato contínuo, a empresa solicitou rescisão contratual, alegando que o aumento do custo de compra de combustível teria inviabilizado a sustentabilidade do projeto. Três ficaram prontas em junho; outras 13 não passam de uma caríssima promessa. O preço médio da energia adquirida no leilão emergencial foi de quase R$ 1.600 por megawatt-hora (MWh) – sete vezes o obtido em licitações realizadas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) nos últimos anos. Até o momento, segundo revelou reportagem do Estadão, as multas impostas às usinas atrasadas somam R$ 413 milhões. O valor deve subir nas próximas semanas; ainda assim, elas têm todo o interesse em manter os contratos. Afinal, ainda que as penalidades sejam vultosas, são muito inferiores às receitas anuais, projetadas em R$ 11,7 bilhões.

Para justificar o atraso, as empresas que venceram o leilão adotaram o mesmo expediente que a administração Bolsonaro tem usado em defesa da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do desespero: as consequências da guerra na Ucrânia. Alguns empreendedores apelaram até para tentativas de acordos mirabolantes, como a substituição de usinas que já deveriam ter ficado prontas por outra unidade antiga, construída há anos. Fato é que não faltou energia para o País, não por mérito das termoelétricas emergenciais, mas em razão de chuvas intensas que encheram os reservatórios das hidrelétricas. 

Agora, o governo tem uma alternativa viável e legal para corrigir o equívoco que ele mesmo cometeu: cumprir a portaria que regulamentou o leilão, que garante o rompimento dos contratos caso as usinas não sejam entregues até 1.º de agosto. Além de ser a melhor solução econômica para os consumidores, já pressionados pelos reajustes nas contas de luz, a rescisão seria uma lição pedagógica para uma parte do setor elétrico. Segurança jurídica e respeito aos contratos são princípios inquestionáveis, mas que devem ser cumpridos por ambas as partes – inclusive pelo setor privado.