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O esquisito critério do fundo de segurança

Injusto e ineficaz, o novo critério de distribuição do Fundo Nacional de Segurança Pública só serve aos interesses eleitorais de Bolsonaro

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Por Notas&Informações
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O Ministério da Justiça alterou os critérios de repasse do Fundo Nacional de Segurança Pública. Cada Estado receberá no mínimo 3,5% dos recursos. Assim, 94,5% serão repartidos em cotas idênticas. É difícil imaginar um critério mais irracional, injusto e ineficaz.

Pelo menos quatro critérios serviriam para aprimorar os repasses. Um é o demográfico, ou seja, distribuição per capita: Estados mais populosos recebem mais. Outro é o socioeconômico: Estados mais pobres recebem mais. Outro compensaria os déficits de segurança: Estados mais violentos recebem mais. Por fim, um mecanismo de incentivos poderia premiar as boas práticas, estimulando Estados com pior desempenho a replicar sistemas mais eficazes. Uma combinação desses critérios talvez fosse o ideal.

Já a nova metodologia, contrariando as propostas de um grupo de estudos criado pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), é alheia às necessidades do enfrentamento ao crime. Na prática, quanto maior a população de um Estado, menos ela receberá. Cada habitante de São Paulo, por exemplo, receberá o equivalente a R$ 0,67, enquanto o do Acre receberá R$ 31,55. Minas Gerais receberá praticamente o mesmo que Sergipe, embora tenha 8 vezes mais policiais e 9 vezes mais habitantes. 

É verdade que Estados do Norte e Nordeste, em geral mais pobres e violentos, tendem a receber mais. Mas não necessariamente. O Distrito Federal, por exemplo, que tem o maior PIB per capita da Federação e o segundo menor índice de pobreza extrema (1,9%), será a terceira unidade mais beneficiada, com R$ 8,8 milhões a mais do que os R$ 16,5 milhões previstos originalmente pela Senasp. Já o Pará, com 19,3% da população na miséria, perderá R$ 4,3 milhões.

A Bahia, um dos dez Estados com menor PIB per capita e o segundo mais violento, perderá R$ 2,7 milhões. Já Santa Catarina, o segundo Estado menos violento e o quarto maior em PIB per capita, receberá R$ 1,2 milhão a mais. O Rio de Janeiro, o maior epicentro do crime organizado, perderá R$ 7,9 milhões.

O Estado mais beneficiado será o Espírito Santo, com R$ 10,1 milhões a mais. Poder-se-ia supor que se trata de um prêmio aos avanços capixabas. Não é o caso. São Paulo, que com muitas boas práticas se tornou o Estado menos violento do País, será o mais prejudicado, perdendo R$ 27,7 milhões.

Em suma, o novo critério nada tem a ver com as necessidades regionais de segurança. O Fundo é só mais um pedaço dos cofres públicos submetido às ambições eleitorais de Jair Bolsonaro. Recentemente, o Planalto determinou por Medida Provisória a utilização do Fundo para subvencionar crédito imobiliário a servidores da segurança, uma das bases eleitorais de Bolsonaro. Agora, Estados que são bases eleitorais de seus desafetos ou potenciais adversários – como São Paulo, Rio ou Minas – serão expressivamente prejudicados, enquanto Estados em que Bolsonaro busca amealhar votos – como Roraima, Paraíba ou Piauí – serão privilegiados. 

Além de introduzir distorções no Fundo, o governo negligenciou o Sistema Único de Segurança Pública, criado para integrar as ações dos Estados, condição-chave para reprimir a expansão do crime organizado. Se a única política de segurança pública que persegue com afinco, o armamento da população, já é questionável, a redução dos mecanismos de controle promovida por Bolsonaro é absolutamente injustificável. O dito “cidadão de bem”, que legitimamente advoga a posse de arma como prerrogativa de seu direito à autodefesa, não teria problema em se submeter a uma fiscalização rigorosa. Só os criminosos ganham com menos controle.

Assim, o presidente não só negligencia instrumentos para modernizar as forças de segurança, como está destruindo o pouco que foi feito e municiando o crime. Não surpreende que os índices de violência tenham voltado a subir.

Da bandeira da segurança pública de Bolsonaro, talvez a mais agitada em sua campanha, restam só farrapos. A população pagará sua incompetência e oportunismo por anos, literalmente com sangue e lágrimas.l