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O Fundeb no prumo

Decisão no Senado está em linha com o objetivo estruturante do Fundo e foi sensata

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Por Notas & Informações
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Em votação simbólica, o Senado aprovou a regulamentação do novo Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), restaurando o texto-base sem as emendas aprovadas pela Câmara, entre as quais a possibilidade de transferência de até 10% de recursos do ensino fundamental e médio para escolas filantrópicas, comunitárias e religiosas, além de repasses para o ensino profissionalizante do Sistema S e para funcionários terceirizados da rede pública. A decisão está em linha com o objetivo estruturante do Fundo e, dada a maneira atabalhoada com que as alterações foram feitas e a urgência de aprovar a regulamentação antes do fim do ano para que a rede escolar possa contar com novos recursos já em 2021, foi sensata.

O § 1.º do art. 213 da Constituição estabelece que, quando houver falta de vagas e cursos regulares na rede pública na localidade de residência do aluno, recursos públicos poderão ser destinados a bolsas em escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas que demonstrarem insuficiência de recursos. Mas o mesmo dispositivo especifica que o Poder Público é obrigado a investir prioritariamente na expansão de sua rede na localidade. É precisamente para este fim que se presta o Fundeb.

Instituições beneficentes têm um papel histórico na educação, assim como na saúde. Como disse ao Estado Kildare Meira, sócio da Covac Sociedade de Advogados, muitas vezes “elas chegam onde o Estado não chega e compõem o conceito de serviço público, mesmo não sendo estatais”. Esse é o caso sobretudo da educação infantil (creche e pré-escola) na zona rural e de estabelecimentos para portadores de necessidades especiais.

Essas entidades já recebem recursos do Fundeb e na nova regulamentação continuarão a receber, desde que comprovem, entre outros requisitos, seu caráter não lucrativo. Como disse o relator do projeto no Senado, Izalci Lucas (PSDB-DF), “toda essa educação é pública, a gestão é que é estatal ou privada. O importante é que o aluno possa estudar numa boa escola”.

No caso do ensino fundamental e médio, técnicos em ensino como os do Todos pela Educação apontam que, excetuada a zona rural, há vagas suficientes na rede pública. E, nos casos excepcionais em que não há, é papel do Fundeb justamente garantir recursos para promover a sua implementação.

De resto, as emendas foram apresentadas na última hora, sem estudos de impacto e justificativa para a cota de 10% nem mecanismos de fiscalização. “Poderemos ter migração de alunos para essas instituições, que ficam fora do radar de verificação de qualidade pelo governo”, afirmou Priscila Cruz, diretora executiva do Todos pela Educação. “Não vamos conseguir assegurar se serão escolas que seguem a BNCC (Base Nacional Comum Curricular).”

Quanto aos repasses para matrículas no ensino médio profissionalizante vinculadas ao Sistema S, segundo a Campanha Nacional pelo Direito à Educação e a Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação, esse modelo já recebe volume elevado de recursos, tem número limitado de matrículas e é pouco capilarizado pelo País.

“O Poder Público continua com a possibilidade de fazer convênios com as escolas comunitárias e confessionais, só que não com recursos do Fundeb”, lembrou Izalci Lucas. Com a garantia de que os recursos do Fundo serão canalizados para a estruturação, expansão e qualificação das bases da rede pública – não à toa, o Senado também rejeitou a proposta de incluir funcionários terceirizados na cota de 70% para salários de profissionais da educação – e de que a participação da União na composição do Fundeb crescerá gradualmente dos atuais 10% para 23%, ficará inclusive mais fácil para Estados e municípios implementarem, conforme as suas contingências locais, parcerias estratégicas com instituições beneficentes e de ensino profissionalizante.

Agora o projeto retorna à Câmara. É imperativo que ele seja aprovado ainda neste ano. Sem isso, segundo os cálculos do Todos pela Educação, 1.471 municípios, em geral mais carentes, podem perder R$ 3 bilhões em recursos para o ensino.