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O futuro de Putin

Os que acompanharam minimamente a vertiginosa ascensão política de Putin perceberam claros sinais de que ele jamais deixaria de concentrar em suas mãos o poder de decidir sobre o destino da Mãe Rússia

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Por Notas & Informações
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Há dias, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, apresentou ao Parlamento uma proposta de reforma constitucional que, na prática, consolida o regime autocrático que há pelo menos duas décadas vem sendo pavimentado no país.

Os que acompanharam minimamente a vertiginosa ascensão política de Putin, desde quando o ex-presidente Boris Yeltsin apontou seu então chefe de Estado-Maior como chefe do Serviço Federal de Segurança (FSB) e, logo em seguida, como primeiro-ministro, em 1999, perceberam claros sinais de que Vladimir Putin jamais deixaria de concentrar em suas mãos o poder de decidir sobre o destino da Mãe Rússia, mesmo ao final de seu quinto mandato presidencial, em 2024. Tudo indica que isso dificilmente ocorrerá enquanto essa espécie de czar da era moderna for vivo.

“Ainda é cedo para saber qual será o papel de Putin no futuro”, disse Alexei Makarkin, diretor do Centro de Tecnologias Políticas, de Moscou. “Mas ele é o fundador do (atual) sistema político na Rússia e quer manter controle sobre ele.” Já o principal líder da oposição russa, Alexei Navalny, foi menos polido ao classificar como “idiotas” os que acreditam que Vladimir Putin deixará o poder, de fato, em 2024.

Alternando os cargos de primeiro-ministro e presidente da Rússia, Vladimir Putin está no poder há 21 anos. Perde apenas para Josef Stalin, que governou a então União Soviética durante 29 anos, entre 1924 e 1953. Tudo indica que Putin avança a passos largos para superar o notório ditador, certamente não no número de mortes causadas, mas na duração de sua potestade.

Logo após o anúncio da proposta de reforma constitucional feito por Putin, o primeiro-ministro Dimitri Medvedev apresentou sua renúncia, junto com as de todos os integrantes de seu gabinete. Imediatamente, Vladimir Putin apontou como substituto de Medvedev o ex-chefe da Receita Federal russa Mikhail Mishustin que prontamente aceitou a incumbência. A rapidez da manobra sugere um jogo combinado. Além disso, se Putin ascendeu à sombra de Yeltsin, Medvedev ascendeu à sombra de Putin. O ex-premiê seria incapaz de um gesto de rebeldia, como renunciar ao cargo só por discordar de uma proposta de seu tutor.

Diante deste quadro, não é crível que o Parlamento vá deixar de confirmar o nome de Mishustin, um burocrata sem qualquer brilho próprio, como novo primeiro-ministro. Ao que parece, ele é uma solução temporária encontrada por Vladimir Putin enquanto seu plano ganha contornos mais bem delineados.

Ainda não está claro tudo o que Putin deseja com a reforma constitucional que pretende implementar, cujo teor ainda não foi totalmente divulgado. Especula-se que o presidente russo planeja robustecer o Conselho de Estado, órgão que ele, naturalmente, comandaria a partir de 2024 para, assim, reter o poder e exercer influência sobre os presidentes e premiês que lhe sobrevierem. E o que é melhor: sem que para isso tenha de passar pelos dissabores de campanhas eleitorais. Ou seja, o cenário dos sonhos para um autocrata, pois robustecer o Conselho de Estado significa enfraquecer a presidência, que na Rússia é uma representação de Estado, e o gabinete a um só tempo.

Em troca da aprovação de sua reforma constitucional, o dadivoso Putin prometeu dar à Duma, a câmara baixa do país, o poder de escolher o primeiro-ministro e os membros do gabinete. Hoje isto é feito pelo presidente – a Duma só aprova ou rejeita as suas indicações. Vale dizer, Putin concederia à Duma o direito de indicar em quem ele vai mandar.

Até aqui, tudo muito bem, mas falta combinar com os russos. A Rússia passa por uma séria crise econômica e social. O país também tem perdido seu antigo protagonismo em uma série de questões globais. Se o povo interpretar que por trás deste relativo declínio está o todo-poderoso Vladimir Putin, os planos podem não ter caminho tão fácil para virar realidade.