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O genocídio armênio

Reconhecer o genocídio armênio é fundamental para evitar a repetição de atrocidades

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Por Notas & Informações
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“Todos os anos, neste dia, nós lembramos as vidas de todos aqueles que morreram no genocídio armênio durante a era otomana e reafirmamos o compromisso de evitar que tal atrocidade jamais ocorra novamente”, disse o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, no dia 24 passado.

A declaração é histórica. Foi a primeira vez que um presidente norte-americano chamou pelo nome a brutal política de extermínio dos armênios empreendida pelo então Império Otomano desde antes da 1.ª Guerra Mundial. A palavra “genocídio” ainda seria empregada mais uma vez por Biden no discurso em memória das vítimas, quando ele enfatizou que “o povo americano honra todos os armênios que pereceram no genocídio que começou 106 anos atrás”.

A bem da verdade, antes de Joe Biden, muitos presidentes americanos criticaram com firmeza o extermínio dos armênios, jamais reconhecido pelos turcos, porém, sem classificá-lo como genocídio; não porque descabido fosse, mas para evitar ferir suscetibilidades da Turquia, país que Washington considera um frágil aliado na delicada geopolítica na região do Oriente Médio.

Por razões diametralmente opostas, o genocídio é uma questão que toca a identidade nacional de turcos e armênios.

A reação de Ancara após a fala de Biden mostra por que presidentes americanos antes dele tanto evitaram falar em genocídio armênio e quão corajosa foi a inflexão do democrata, que, diga-se, cumpriu uma promessa de campanha com o reconhecimento público da tragédia. Em pronunciamento transmitido pela TV, o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, afirmou que a declaração de Biden “afunda” as relações entre seus países.

Erdogan, que classificou como “insultuoso” o discurso de Biden, pediu que o presidente americano “corrija a tempo este passo errado” nas relações entre Turquia e Estados Unidos, que, em sua visão, atingiram “um novo ponto negativo”. Não haverá recuo por parte de Washington, evidentemente. Primeiro, como já dito, porque Biden cumpriu uma promessa de campanha. Segundo, por questão de coerência. O primeiro passo para “evitar que tal atrocidade jamais ocorra novamente” é tratar as coisas como são, sem subversões da realidade. O que a política pode distorcer, o registro da História aponta como o primeiro caso de genocídio do século 20, décadas antes da tentativa do extermínio dos judeus pelo regime nazista, não por acaso também negado ainda hoje por aqueles que não só se põem a espancar a História, mas também a memória das vítimas da barbárie.

De fato, era inconcebível que o genocídio armênio não fosse tratado como tal, não obstante todas as evidências da deliberada política de matança e deportação em massa implementada pelo Império Otomano, principalmente, a partir de 1915. Então premidos entre os impérios otomano e russo, no Cáucaso, o movimento de identidade nacional dos armênios sofreu toda a sorte de violência, muito antes da eclosão da 1.ª Guerra, que, em seu término, levou ao fim do Império Otomano e à fundação da Turquia.

Lamentavelmente, o governo brasileiro ainda não reconhece oficialmente o genocídio armênio. Foi para cá que acorreram muitos armênios da diáspora. Aqui vivem milhares de seus descendentes.

Em 2015, o Senado aprovou requerimento dos senadores Aloysio Nunes Ferreira e José Serra, ambos do PSDB de São Paulo, e emitiu uma moção de solidariedade aos armênios por ocasião do centenário do genocídio. O emprego correto da palavra motivou reação da Turquia, que convocou para consultas o então embaixador em Brasília, Hüseyin Diriöz.

Os armênios estimam em 1,5 milhão os mortos entre 1915 e 1917. Tramita no Senado um projeto do falecido senador Major Olímpio (PSL-SP) para que se institua o dia 24 de abril como o “Dia de Homenagem às Vítimas e de Reconhecimento do Genocídio do Povo Armênio”. A rápida tramitação deste projeto de lei seria uma justa homenagem à memória dos armênios que pereceram no massacre.