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O governo e a realidade

Governos que não transmitem equilíbrio e racionalidade tendem a criar uma atmosfera de desconfiança, sob a qual é muito mais difícil estimular investimentos privados

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Por O Estado de S. Paulo
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Os investidores nacionais e estrangeiros reunidos num evento em Brasília para ouvir alguns dos mais importantes integrantes do governo sobre as perspectivas do País devem ter ficado confusos. O encontro, promovido pelo Council of the Americas, fórum de debates que reúne corporações multinacionais com presença na América Latina, mostrou a esses investidores que há uma parte do governo razoavelmente preparada para enfrentar os desafios em diversos níveis, com visão clara e respeito pelos dados da realidade nacional. Contudo, o seminário deixou claro também que há outra parte do governo totalmente alheia ao mundo real, movida exclusivamente por uma ideologia doentia, que tem contaminado decisões administrativas em diversas instâncias, com consequências imprevisíveis. Investidores, por definição, preferem ambientes de negócios em que seja possível traçar cenários com um mínimo de segurança. Governos que não transmitem equilíbrio e racionalidade tendem a criar uma atmosfera de desconfiança, sob a qual é muito mais difícil estimular investimentos privados. Assim, o governo do presidente Jair Bolsonaro, às voltas com um apagão orçamentário e com pouquíssimo dinheiro para investimentos públicos, deveria se empenhar para seduzir quem ainda pretende apostar no Brasil. O evento do Council of the Americas, intitulado “Agenda do Brasil para Crescimento Econômico e Desenvolvimento”, era para ser uma dessas oportunidades para “vender” um País que, a despeito das dificuldades atuais, é confiável e sólido. Foi o que tentou fazer, por exemplo, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina. Em meio à pressão internacional a respeito do desmatamento e dos incêndios na Amazônia, a ministra não minimizou os problemas, já que seria temerário fazê-lo ante uma plateia bem informada, mas tratou de colocá-los na perspectiva correta. Teresa Cristina admitiu que “o problema da Amazônia existe”, mas foi ao ponto certo ao destacar que “não é correto associar as queimadas na Amazônia com a produção de alimentos”. A ministra enfatizou que “a preservação ambiental é uma preocupação do País e dos produtores rurais” e que, “ao mesmo tempo que buscamos aumentar nossa produtividade agrícola, desenvolvemos políticas e mecanismos para proteger o meio ambiente”. Em seguida, destacou a efetividade do Código Florestal brasileiro e as iniciativas do governo para incentivar “práticas de produção de baixa emissão de carbono”. A ministra Teresa Cristina, portanto, fez a defesa da administração que integra sem agredir o bom senso. Os investidores convidados pelo Council of the Americas, contudo, foram apresentados também à faceta irracional do governo, representada pelo discurso do chanceler Ernesto Araújo. A propósito do mesmo tema – a devastação na Amazônia –, o chanceler ofereceu à audiência todo o acervo catalogado de teorias da conspiração que alimentam a narrativa radical do bolsonarismo e que não encontram qualquer relação com o mundo real. “Falsa crise, falsa interpretação da situação”, disse o chanceler, negando o que todos podem ver em imagens de satélite. Para Ernesto Araújo, a crise “colou” em razão de “ideologia”. E pôs-se a dizer que as pessoas que criticam o Brasil estão contaminadas pelo “vírus” da ideologia. “Não é culpa das pessoas. Suas cabeças estão sendo invadidas por um tipo de pensamento que não permite a elas ver a realidade, e isso é ideologia”, disse o chanceler, citando como propagador desse “vírus” o Foro de São Paulo – reunião de partidos da esquerda latino-americana que o bolsonarismo enxerga como a fonte de todo o mal. Diante de tamanho despautério, é de imaginar a desorientação dos investidores que ali estavam para se convencer de que vale a pena fazer negócios no Brasil. O ministro da Justiça, Sergio Moro, também presente ao encontro, pediu aos investidores que “apostem no Brasil e no governo do presidente Jair Bolsonaro”. Mas em qual governo, afinal, devem apostar? Naquele que aceita a realidade ou naquele que a afronta?