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O governo e o futuro da ciência

A modernização das universidades se dá por meio de recursos públicos e só depois é que as empresas as procuram para firmar acordos de cooperação

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Por Notas e Informações
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No mesmo dia em que a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) anunciou que não financiará um congresso sobre constitucionalismo e democracia, sob a justificativa de que os juristas responsáveis pela organização do evento seriam “militantes na área do direito”, o presidente da Academia Brasileira de Ciências, o físico Luiz Davidovich, lamentou a debandada de pesquisadores brasileiros para o exterior, por falta de condições mínimas de trabalho no Brasil. 

Os dois eventos estão ligados. Segundo Davidovich, os pesquisadores brasileiros reclamam da falta de recursos para insumos e equipamentos e da ausência de uma agenda para o desenvolvimento tecnológico formulada pelo poder público. Esses problemas, que já eram graves, aumentaram depois do contingenciamento de parte do orçamento dos Ministérios da Educação (MEC) e da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). Aumentaram, também, em face da negação da ciência por motivos ideológicos e até religiosos, afirma o presidente da Academia Brasileira de Ciências. 

A decisão da Capes de negar financiamento para um congresso que havia sido apoiado em suas oito edições anteriores é prova disso. Segundo parecer do comitê da área de direito da entidade, o evento estaria “voltado não só à construção científica, mas também à crítica política”. “Quem de nós tem atuação de militância política? Eles que nos digam e indiquem o que classificam como militância”, desafiou Cristiane Derani, pró-reitora de pós-graduação da Universidade Federal de Santa Catarina, onde o congresso será realizado. 

Durante a campanha eleitoral, diz o presidente da Academia Brasileira de Ciências, o candidato Jair Bolsonaro prometeu elevar o investimento em ciência a 3% do Produto Interno Bruto (PIB) até o fim do mandato. Segundo Davidovich, o investimento total na área está hoje pouco acima de 1% do PIB. “O apagão de investimentos pode quebrar o sistema de Ciência e Tecnologia, que começou a ser institucionalizado antes da década de 1950. A construção é um processo longo, mas a destruição pode ser rápida. Prioridades óbvias como a biotecnologia têm sido prejudicadas por uma política de desmatamento que nega evidências científicas. Há uma ironia no fato de não perceberem que isso pode prejudicar a própria agroindústria”, afirma Davidovich, que também integra a Academia de Ciências dos Estados Unidos. 

Ele também critica o modo como o governo Bolsonaro vem tratando órgãos importantes, como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). E adverte que os contingenciamentos orçamentários na área educacional afetarão os programas de pós-graduação das universidades públicas. E se elas não se modernizarem, dificilmente conseguirão interagir com empresas privadas, como quer o governo, por meio do programa “Future-se”. 

Em geral, no mundo inteiro, a modernização das universidades se dá por meio de recursos públicos e só depois é que as empresas as procuram para firmar acordos de cooperação. Ou seja, os recursos privados só entrarão no caixa das universidades se, primeiro, os repasses do MEC forem restabelecidos. “Não precisamos reinventar a roda. A maior parte do orçamento universitário sempre virá do governo, como acontece no mundo todo. O ministro Abraham Weintraub precisa de um choque de realidade”, afirma o presidente da Academia Brasileira de Ciências.

O êxodo de cientistas brasileiros é o problema mais grave do sistema de ciência e tecnologia do País, diz ele. Em primeiro lugar, porque a formação dos cientistas, no País ou no exterior, foi custeada por recursos públicos. Em segundo lugar, como esses cientistas têm potencial para apresentar ideias inovadoras, que podem aumentar a eficiência da economia, sua emigração prejudica o potencial de crescimento de médio prazo do Brasil. É fundamental que, dentro do governo, haja alguém capaz de mostrar ao presidente Bolsonaro o alcance e a importância das declarações do presidente da Academia Brasileira de Ciências.